180 DIAS DE CATIVEIRO: COMO E EM QUEM CONFIAR?
ALCANÇAMOS NO BRASIL O SEXTO MÊS de quarentena, ou cativeiro – foi ou é para muitos – com uma gama vasta de estragos que vão além das estatísticas. Além das evidentes mortes, das falências, do desemprego e do aumento da pobreza, chegamos à metade do ano sem poder acreditar em informações oficiais e com a pouca confiança que restava nas instituições em pedaços. Autoridades políticas, tendo acordado tarde para a chegada da COVID-19 em terras brasileiras, atuaram como em ditaduras socialistas impondo as orientações goela abaixo da população sem levar em conta diferenças sociais como a clausura de famílias, uma em cada andar de um edifício de oito imóveis e aquele que vive com uma família de oito pessoas em apenas um cômodo. Isolamento?
Campanhas e campanhas (pagas por nós) transferiram a responsabilidade da onda de contágio ao cidadão que precisa deixar sua casa diariamente para trabalhar, tendo como único meio de locomoção os transportes públicos lotados. Condenados ao contágio e à culpa. Isolamento? Qual é a opção para o pai ou a mãe de família que sai para pagar suas contas básicas de famílias que não têm garantia de comida, itens de higiene e até, em muitos casos, água?
Além de sermos postos à prova com as re-visões de protocolo oficiais (primeiro a máscara não funcionava, depois passou a ser obrigatória, agora tem a segurança novamente questionada), o bombardeio da mídia, incrementando sua audiência às custas da calamidade pública, mais confundiu do que esclareceu. Pior, contribuiu para um ambiente de terror em que o medo criou uma distância entre as pessoas muito mais difícil de superar: a raiva e o ódio, daquele que por alguma razão circulava sem máscara na mesma calçada que a sua. Justo a máscara, esse símbolo secular de banditismo, opressão às mulheres, de não identidade.
As proibições tiraram de nós algumas das fatias mais valiosas das nossas vidas. A escola dos jovens, o encontro dos familiares mais velhos, o lazer ao ar livre, os eventos culturais, as cerimônias religiosas de todos. E a abertura começou pelos shoppings e restaurantes.
Os nossos valores de sociedade livre e aberta foram jogados no lixo. Manifestações são permitidas, idas à praia e práticas de esportes não. E os ônibus, trens e metrôs permaneceram cheios. Manifestações na Europa mostram que a resiliência humana chegou a um beco. As pessoas não querem se sentir (nem conseguem) na situação de cobaias. Ninguém mais aguenta. O medo do lockdown é quase igual ao medo da doença. Com todo o respeito àqueles que pregam “tudo pela ciência”.
Saúde é uma ciência, sim, assim como a engenharia, a matemática, a física, a sociologia, o comportamento. O importante é a combinação de todas as ciências integradas para o bem-estar humano.
A política falou muito mais alto do que quais-quer protocolos obrigatórios, aqui e em muitos outros países. O maior dolo dessa pandemia certamente será o impacto na saúde mental de todos. Um estudo realizado com jovens com histórico de condições de saúde mental com-prometidas, residentes no Reino Unido, relata que 32% deles concordaram que a pandemia havia piorado sua saúde mental. Um aumento no consumo de álcool é outra área de preocupação dos especialistas em saúde mental. Estatísticas do Canadá relatam que 20% das pessoas de 15 a 49 anos aumentaram seu consumo de álcool durante a pandemia. Esse número aumenta em proporção inversa ao PIB do país. Como os distúrbios mentais já não eram uma prioridade da agenda política nacional talvez leve mais tempo até que se avalie o estrago por aqui.
Vamos continuar sem poder visitar nossos parentes mais velhos. Eles, no fim da vida, enterraram seus últimos sonhos de viagem, passeios e descobertas ao lado de quem amam. Mas seremos obrigados ainda este ano a nos deslocar até as urnas para votar. Aí o vírus nos dará salvo-conduto.
O planeta empobreceu e a fome já mata mais gente no mundo que o vírus. A confiança no outro e a proximidade, sabidamente necessárias para o bem-estar pessoal e a qualidade de vida, passaram a ser entendidas como ameaça. As big techs rapidamente se colocaram na função de conectar as pessoas a distância e, com isso, resolver todos os problemas da humanidade. Na realidade só elas estão ganhando com a nossa ilusão de socialização digital, aumentando as suas bases de dados com informações pessoais que, necessariamente, é preciso abrir para usar as plataformas dessas empresas.
São justamente essas empresas as maiores responsáveis pelo absurdo gap de desigualdade entre empresas e pessoas no planeta. Faturam alto com a falsa ilusão disseminada de socialização digital…
A bem da verdade, esse absurdo controle muito se as-semelha, em sua essência, a um malfadado sistema socialista, no qual um pequeno amontoado de lideranças imputa a sua visão maniqueísta e semiditatorial a um bando de in-defesos cidadãos iludidos pelo mantra impossível da igualdade social. Conseguem, com todos na miséria absoluta.
Sonhos foram desfeitos, planos engavetados, crianças sem escola, educação no limbo e um medo coletivo, ainda diariamente alimentado por um noticiário destrutivo e filmes nebulosos. Como isso será reposto? Como ficará a formação dos jovens que serão os responsáveis pelos caminhos do futuro de nossa nação?
Uma luz possível nesta jornada aparece com destaque na extraordinária e emblemática ação de empresas-cidadãs que assumiram um protagonismo nunca antes visto, abraçaram e acolheram os seus funcionários e as suas famílias, com cuidados especiais, preservando o máximo possível de empregos, tornando a difícil e estressante atuação e trabalho no home office mais palatáveis, até termos um cenário mais seguro para a imprescindível volta ao convívio social e humano. Quedas abruptas nas receitas e lucros na maior parte dos negócios não foram empecilhos para investimentos em automação, tecnologias digitais e comércio eletrônico. Essas empresas também mostraram sua solidariedade, investiram em ações filantrópicas e provaram que, com melhores condições para desenvolvimento de negócios, podemos, sim, construir um Brasil melhor. Com muito menos Estado interferindo, e muito mais empresas investindo e criando riquezas.
A construção da retomada será lenta e começou pelas empresas que souberam olhar seus clientes e funcionários para além dos números e restauram a confiança quebrada por meses de clausura e desinformação. A elas, que prezaram por seu legado e suas operações, olhando para o bem-estar de seus funcionários, de seus clientes e da sociedade a que pertencem, dedicamos este número da Consumidor Moderno.
