Orgulho de servir,
Orgulho de Ser Essencial
por JACQUES meir e ivan ventura
Nos últimos dias e semanas de 2020, muitos analistas se debruçaram sobre números macroeconômicos e tentam prever o verdadeiro impacto da COVID-19 nas economias. Há quem afirme que teremos um cenário semelhante a um pós-guerra sob o aspecto de acesso ao emprego, à renda e ao consumo de itens essenciais para a subsistência humana. No entanto, o fato é que muitos dos números deste ano ainda são prematuros e somente serão consolidados no próximo ano. Em outras palavras, o importante não é manter o foco sobre o que ocorreu, mas entender o que efetivamente está por vir em 2021.
No setor de Customer Process Outsourcing (CPO), também conhecido como BPO ou contact center, a agenda para 2021 é numerosa e árdua. E o que sabemos até aqui?
Esta edição do Anuário mostra que o PIB do setor terá uma retumbante queda de 22% em 2020, algo inédito desde a criação do decreto do SAC – norma que estabeleceu as bases do relacionamento com o cliente no Brasil.
Mas, de novo, é preciso manter o foco no presente e no futuro. Já existem indícios de uma retomada no crescimento, com sinais ainda contraditórios no horizonte. À parte a perspectiva de retomarmos os patamares de renda de 2013 provavelmente no final da próxima década, o fato é que a economia brasileira apresenta resiliência e capacidade de adaptação surpreendentes.
A recuperação do setor, apontado como essencial pelo Poder Público, pela sua capacidade de formação profissional, inclusão e empregabilidade, depende da atuação firme de diversos atores da sociedade no próximo ano, inclusive do próprio governo. Em setembro deste ano, por exemplo, a Câmara dos Deputados derrubou o veto presidencial que impedia a extensão da desoneração da folha de pagamento dos funcionários para 2021.
Como é sabido, a desoneração da folha de pagamento permite que as empresas optem por contribuir para a Previdência Social com um percentual que varia de 1% a 4,5% sobre a receita bruta em vez de recolher 20% sobre a folha de pagamento, ou seja, sem o benefício estatal, é praticamente impossível falar em crescimento após 2021 ou muito menos na retomada do patamar de 2019.
É preciso que o governo e os parlamentares tenham a sensibilidade de entender a importância da perenidade do benefício que impacta nada menos que 17 setores da economia – incluindo os CPOs e as empresas de tecnologia – e que são responsáveis por 6 milhões de empregos.
Além disso, há a necessidade da retomada do debate sobre o decreto do SAC em bases mais consistentes e maduras. O atual governo, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vem discutindo a modernização da norma a partir de dois pilares: a inclusão de canais digitais e a criação de mecanismos orientados ao aumento da resolutividade das crescentes queixas registradas nos órgãos de defesa do consumidor.
Nós também defendemos a modernização do decreto do SAC como instrumento de evolução da sociedade de consumo no Brasil, a partir de mecanismos eficientes para a solução de conflitos. Precisamos combater o grande volume de queixas nos Procons e também diminuir a chaga representada pela judicialização nas relações de consumo. Para isso, precisamos de toda a ajuda necessária, inclusive do ainda imprescindível telefone.
Quanto às empresas, caberá a elas o importante e árduo papel de acelerar o processo de transformação digital dos seus negócios por meio de vultosos investimentos no relacionamento digital. Não há dúvidas de que o atendimento ao cliente será majoritariamente conduzido por mensageiros e mídias sociais em pouco tempo. O atendimento dedicado e conduzido por agentes humanos será objeto de uma transformação, com foco nos serviços que demandam maior criticidade e complexidade por parte dos consumidores.
Para que isso ocorra, as empresas precisam criar uma cultura corporativa mais flexível. Isso criaria as condições ideais para que as companhias superem as intercorrências que virão com uma frequência ainda maior nos próximos anos. Nesse caso, vale a lição criada nos anos 90 pela US Army War College e que tão bem explicou o mundo no cenário pós-Guerra Fria: VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity), ou seja, vivemos tempos de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade.
O chatbot, aliás, talvez seja o principal exemplo de serviço que surgiu a partir desse maravilhoso caos criativo de empresas que realmente adotaram a flexibilidade e os princípios do VUCA.
Essa tecnologia já não é uma simples automação com a missão de responder a dúvidas simples. Ela assumiu uma missão complexa a partir de uma crescente quantidade de integrações de outras tecnologias já disponíveis para criar (ou recriar) uma jornada verdadeiramente completa de relacionamento com o cliente – inclusive o pagamento – no seu smartphone, ou seja, a humanidade, a partir da tecnologia digital, dedica-se a simplificar ao máximo a experiência de compra.
O Pix terá um papel decisivo nesse processo de avanço do chatbot na sociedade. A ideia é que o pagamento instantâneo seja incorporado aos aplicativos de mensagens e mídias sociais, permitindo assim que você compre um produto após curtir uma foto no Instagram ou, ainda, uma roupa ou até um carro pelo WhatsApp – o que, aliás, já é possível.
De fato, o Pix será uma revolução no consumo já em 2021. Afinal, está disponível para todos os públicos e elimina muitos intermediários entre o consumidor e o tão sonhado bem de consumo. É uma mudança sem precedentes na relação que pessoas e bancos tiveram ao longo de décadas e séculos.
Por fim, mas não menos importante, há o papel do consumidor em 2021. Dizer que ele mudou ou está mudando por conta da transformação digital não é o suficiente para explicar o que realmente está ocorrendo na vida dessas pessoas. A pandemia lançou pessoas de diferentes idades e classes sociais nos canais digitais por causa da escassez de atendentes no contact center e o fechamento das lojas físicas. E muita gente fez isso sem nenhum direcionamento ou tutor.
O resultado, claro, não poderia ser outro. O processo de compra digital (quase um puxadinho) montado às pressas expôs os gargalos de um e‑commerce ainda em construção no País. O consumidor descobriu da pior maneira que não estamos totalmente prontos para um consumo exclusivamente digital diante dos problemas de logística e processos internos das companhias que resultaram, por exemplo, na famigerada cobrança indevida. Prova disso é que as queixas nos órgãos de defesa do consumidor explodiram, e o e‑commerce superou os setores bancário e de telecomunicações – outrora imbatíveis em reclamações.
O ano de 2021 será importante para as empresas revisarem os processos e, assim, auxiliar o consumidor no processo de transformação digital. Não será fácil, mas não pode haver dúvidas de que estaremos melhores e também diferentes após a pandemia. É difícil apostar o que seremos nos próximos anos considerando os dados disponíveis hoje. A certeza é que nossa experiência mais digital não poderá prescindir do toque humano, do calor, do gesto e da interação que nos trouxeram até aqui. O futuro é phygital.