A AUTORREGULAÇÃO COM DENTES DA SENACON
A EXPRESSÃO “AUTORREGULAÇÃO COM DENTES” É CONHECIDA DO DIREITO AMERICANO E CITA UMA NOVIDADE APRESENTADA PELA SENACON ESTE ANO: A CORREGULAÇÃO. EM ENTREVISTA À REVISTA CONSUMIDOR MODERNO, LUCIANO BENETTI TIMM, SECRETÁRIO DA SENACON, FALOU SOBRE ESSE E OUTROS ASSUNTOS
POR IVAN VENTURA
ano foi de mudanças significativas na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Uma delas foi o início de um projeto-piloto de integração entre o Consumidor.gov.br e o Processo Judicial Eletrônico (PJE), que, em linhas fazer o acordo e ingressar com a ação na Justiça – tudo por meio eletrônico. A plataforma também cresceu: 606 empresas aderiram e houve um aumento de 20% de interações na comparação entre 2019 e 2018. Em entrevista à Consumidor Moderno, Luciano Benetti Timm, secretário da Senacon, falou sobre o seu primeiro ano de gestão da pasta e até sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
CONSUMIDOR MODERNO – UMA DAS NOVIDADES DESTE ANO FOI O LANÇAMENTO DO COLÉGIO DE OUVIDORES. EU GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE SOBRE O ASSUNTO?
Luciano Benetti Timm — O Colégio de Ouvidores funciona como um colegiado. Quem participa tem direito a voto. Mas, como funciona o Colégio de Ouvidores? Se alguém de um determinado Estado se queixar na ouvidoria do Ministério da Justiça, aquela mesma reclamação, comentário ou elogio é enviado para a ouvidoria daquele Estado. Isso é importante porque permite uma abertura de diálogo com os consumidores, que também são cidadãos e pagadores de impostos.
CM – ESTE ANO, A SENACON ESTIMULOU A AUTORREGULAÇÃO EM DIVERSOS SETORES DA ECONOMIA. ALÉM DISSO, APRESENTOU UMA NOVIDADE: A CORREGULAÇÃO. O QUE SERIA ISSO?
LBT — A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apoia essa medida. Mas, por quê? Porque a auto/corregulação funciona mais rápido do que uma modificação legal. A estrutura parlamentar é feita para um intenso debate. Às vezes, uma autorregulação pode ser mais rápida e melhor para os interesses do consumidor. Quanto à corregulação, é quando o Estado entra para estabelecer alguns parâmetros e limites. E, eventualmente, até fiscalizar. Então, a corregulação é isso: é quando você soma o Estado e os dentes do regulador na autorregulação. Queremos que outros setores apoiem essa ideia. Penso que o de Seguros seria desejável que ingressasse. Nós assinamos um acordo de cooperação com a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e estamos em tratativas com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas não saiu ainda.
CM – NO PRÓXIMO ANO, TEREMOS OS 30 ANOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). O SENHOR JÁ TEM UMA REFLEXÃO OU CONVICÇÃO DO QUE PRECISARIA MUDAR?
LBT — Trata-se de uma lei bem-desenhada, bem-concebida e que durou 30 anos sem ser alterada. Agora, há uma discussão sobre o superendividamento. A ideia seria incluir novos artigos no código ou, quem sabe, até aprovar uma lei esparsa. Essa é uma possibilidade. Mas, para outros pontos, bastaria apenas uma adequação interpretativa. Uma delas é o CDC adaptado à era da economia 4.0 (caso do e‑commerce). Não precisamos de leis sobre isso. É apenas uma questão interpretativa de adequação.
CM – O DECRETO DO SAC FOI UMA PAUTA IMPORTANTE DAS GESTÕES ANTERIORES DA SENACON. O QUE O SENHOR PENSA SOBRE O ASSUNTO?
LBT — Existem outros pontos que a gente pode modificar por decreto, por ato normativo. É o caso da atualização aos novos tempos tecnológicos do SAC, tornando‑o mais resolutivo, menos burocrático e com tempo mínimo para responder com um protocolo. Quem sabe até uma linha para resolutividade do SAC dentro das empresas. Seria importante que o SAC fosse auditável e, assim, vincularmos a resolutividade. Assim, o governo deixa de se preocupar exatamente como funciona o SAC e passaria a cobrar o resultado das empresas.
CM – RECENTEMENTE, A SENACON CONTRATOU UMA CONSULTORIA PARA AVALIAR O IMPACTO DO DECRETO DO SAC. EMBORA AINDA SEJA CEDO, O QUE É POSSÍVEL DIZER SOBRE O IMPACTO DA NORMA NA VIDA REAL DO CONSUMIDOR?
LBT — Quando o decreto foi publicado, ele teve muitos méritos. Os consumidores não tinham para quem ligar. Felizmente, houve um processo de privatização, mas, por outro lado, isso ocorreu sem a devida cautela sob a ótica do consumidor. Então, creio que ali houve um desajuste e os consumidores foram prejudicados. Talvez a estrutura de incentivos (aprovada pelo poder público) criou empresas que se organizaram para responder ao consumidor em um minuto. Isso também gerou, e nós ainda estamos verificando isso, bonificações ligadas à resposta e ao protocolo e não à resolutividade.
CM – POR FALAR EM CONSUMIDOR.GOV.BR, O SENHOR DEU INÍCIO A UM PROJETO-PILOTO DE INCLUSÃO DA PLATAFORMA AO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO (PJE). OS PRIMEIROS TESTES ESTÃO OCORRENDO NO DISTRITO FEDERAL. O QUE OS PRIMEIROS RESULTADOS INDICAM?
LBT — O bom da tecnologia é que a gente obtém dados para o bem ou para o mal de maneira muito fácil. A nossa plataforma se integrou ao PJE, que pertence ao CNJ. Então, quando uma pessoa vai distribuir uma ação no Juizado Especial, ela tem a opção de fazer uma negociação on-line. Se essa negociação for efetivada, sai como acordo judicial, senão, aquilo que foi alimentado vira uma petição inicial no PJE. Aparentemente, o que está aparecendo é que muitos advogados ainda preferem pular a negociação e ir direto para o litígio.
CM – COMO O SENHOR AVALIA A CAPACIDADE DAS EMPRESAS E DO BRASIL PARA SE ADEQUAR À LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS, QUE ENTRA EM VIGOR EM AGOSTO DE 2020?
LBT — O Brasil terminou os estádios dias antes da Copa e algumas obras ficaram prontas somente depois da Copa. Então, tem uma questão cultural que nós não vamos mudar com a lei. Não dá para uma coisa ficar esperando a outra. Eu até tenho, academicamente falando, minhas dúvidas quanto aos reais ganhos, para a sociedade brasileira, dos custos com a lei de dados, além de dúvidas sobre os aspectos concorrencial e do consumidor. Mas, enfim, esse debate já foi traçado.