A evolução da experiência: o Consumidor é Phygital
Aumento da digitalização durante a pandemia traz a necessidade de evoluir a experiência do consumidor em todos os canais, oferecendo linearidade e eliminando fricções
Por Larissa Sant’Ana
Fotos Douglas Luccena
Há muito tempo, o mercado investe na estratégia omnichannel. Bem antes da pandemia, os clientes já possuíam à disposição diferentes opções de canais – e muitos já utilizavam mais de uma durante a jornada de compra. Porém, o que vinha evoluindo a passos curtos se tornou uma urgência nos últimos meses. A falta de integração e linearidade entre esses multicanais não é mais aceitável, afinal, o consumidor agora é phygital.
Em 2020, o e‑commerce brasileiro cresceu 73,88% em comparação com o ano anterior, de acordo com o índice MCC-ENET. Passando mais tempo dentro de casa devido ao isolamento social, muitos consumidores tiveram o primeiro contato com os canais digitais de empresas durante o pico da covid-19. Segundo pesquisa da Criteo, 56% deles nunca haviam comprado pelo e‑commerce e tiveram essa experiência. Ao conhecer características do on-line, como grande variedade de produtos e de informações, ganho de tempo e conveniência, o consumidor passou a desejar encontrá-las também nas lojas físicas.
Mas a percepção dos ganhos trazidos pelo digital transcendeu o varejo. Academias, saúde, bancos, construtoras, indústria, todos os segmentos, perceberam a necessidade de somar o look and feel à velocidade e à conveniência do digital. Para isso, as empresas precisam combinar tecnologias e metodologias que remodelem a jornada do cliente e criem momentos de pico em pontos determinados da jornada. Trata-se de embutir surpresas, eliminar pontos de fricção, uniformizar padrões de relacionamento, interação e transação, “hibridizando” os canais e diluindo as fronteiras.
É o que explica Marina Roale, head de Pesquisa do Grupo Consumoteca: “Na pandemia, soluções que só eram acessadas por quem dominava o universo digital afetaram o relacionamento, a forma de comprar e a gestão da vida das pessoas. Barreiras foram quebradas e a nova experiência do digital foi aprovada. O consumidor entra em um estágio de maturidade em que não vê mais o mundo on e o mundo off como coisas distintas, ou como um lugar para perder ou ganhar. Ele é phygital e tem em mente como vai usufruir da melhor experiência e ter mais ganho no jogo do on e do off, ou seja, o consumidor não vai ficar 100% on ou 100% off; vai buscar a fórmula em que ele tem mais ganho para si dentro dessa equação.”
Portanto, o grande desafio das empresas agora é entender como integrar físico e digital de uma forma que a experiência seja linear e faça sentido para o consumidor. É preciso diluir fronteiras, combinar o uso de dados e robôs com interpretação de ansiedades e expectativas. O novo processo de se fazer negócios procura estar presente quando e onde o cliente desejar, envolvendo‑o com o digital de uma forma quase que imperceptível. Fato é que as operações digitais e físicas não podem mais andar separadas.
A mudança de mindset dos players de diferentes setores do mercado precisa ser rápida e ao mesmo tempo efetiva. Não se trata mais apenas de colocar o consumidor no centro e, sim, de estar presente sempre, dando a ele a sensação de estar no controle. A tecnologia chegou para facilitar a vida dos consumidores e permitir que eles decidam o que é melhor para eles. Fernanda Hoefel, sócia da McKinsey em São Paulo, dá ótimo motivo para seguir no caminho da customer experience 2.0: “Tradicionalmente, empresas que têm a melhor experiência do cliente apresentam consistentemente melhor retorno aos seus acionistas. Em tempos de crise, a diferença entre as que não têm boa CX e as que têm fica ainda maior. Então, atualmente, se torna mais importante ter uma boa CX, porque isso é um diferencial.”
QUEM É O CONSUMIDOR PHYGITAL?
Para desenhar uma jornada de experiência que integre físico e digital é preciso, antes de tudo, entender os sentimentos e os comportamentos do consumidor phygital. Carlos Coutinho, sócio-líder de Varejo e Consumo da PwC Brasil, empresa de consultoria e auditoria, lista três características principais: exigência, infidelidade e gana por informação.
“O consumidor descobriu quanta coisa ele consegue fazer no ambiente digital, com o smartphone ou com o tablet, dentro e fora da loja física. Para conhecer melhor o mercado e saber sobre o que está comprando, ele sente a necessidade de combinar os elementos que estão disponíveis. Então ele quer trafegar do ambiente virtual para o físico, dentro da loja, na casa dele, de todo jeito e de uma forma fluida. Ele quer comparar preços e fazer pagamentos de forma fluida. Ele quer ter certeza de que tomou a melhor decisão de compra”, explica o especialista.
Essa necessidade de ter informações está em todos os pontos de contato da jornada. É o que ressalta Fabricio Dore, sócio-líder de Design e CX da McKinsey na América Latina. “Ao começar a frequentar a loja física como tentativa de retomada, o consumidor que começou a se digitalizar sente falta de opções. Ele se acostumou com a riqueza de dados e com a variedade de produtos. Por isso, é preciso fazer a escolha correta do que oferecer na loja física, entendendo que ali a busca é por uma experiência mais prazerosa e que ofereça o paradoxo da escolha.”
Empresas que lideram em customer experience são mais resilientes nas crises
Características do novo consumidor
• EXIGENTE: quer ter a experiência mais fluida possível e compara a jornada de compra que possui em diferentes setores do mercado, esperando que todas as marcas se equiparem à melhor.
• INFIEL: possui à disposição muito mais opções dentro do ambiente on-line, e está sempre em busca de conhecer algo novo.
• ÁVIDO POR INFORMAÇÃO: deseja conhecer melhor o mercado e o produto que está comprando para ter certeza de que tomou a melhor decisão.
• DESCONFIADO: é muito vigilante em relação aos acordos que são feitos com ele.
• DESEJA CONSISTÊNCIA: navega por cerca de cinco canais durante a jornada e espera que eles apresentem os mesmos preços e a mesma linguagem.
Outro ponto destacado por Dore é o desejo de consistência. O especialista traz um dado interessante: “o consumidor omnicanal usa, em muitos casos, mais de cinco canais. Alguns anos atrás, esse número ficava em cerca de dois. Vemos que existe um prazer em experimentar novos canais, o que deixa a experiência mais fragmentada.” Exatamente por isso, ter a mesma comunicação e o mesmo preço em todos os canais é extremamente importante. Mas a consistência precisa ir além: o atendimento deve ser phygital. Por exemplo, se o consumidor comprou um produto na loja física e deseja trocá-lo on-line, ele precisa ter essa opção. E vice-versa. Uma operação que não está preparada para isso gera fricções na experiência.
Por fim, para ter a preferência do consumidor que é mais infiel e está mais exposto às marcas, Marina Roale afirma que é preciso passar confiança. “O digital, mais do que qualquer outro meio, exige confiança. O consumidor, quando vai tendo sua vida absorvida por soluções digitais, torna-se mais exigente no sentido de ‘você me promete uma coisa, eu quero que você me entregue’. O consumidor phygital está muito vigilante em relação aos acordos que são feitos com ele, por isso, é preciso ter clareza. O consumidor vai buscar se aliar a marcas que tragam confiança para ele”, explica a head de Pesquisa do Grupo Consumoteca.
Uma forma de ganhar a confiança é mostrar autenticidade. “Isso é muito forte, principalmente para a Geração Z. Cada marca tem que ter a sua voz e tem que ser muito congruente na voz e nas ações que toma da porta para dentro e da porta para fora”, pontua Fernanda Hoefel.
Colocar o consumidor no centro das decisões torna-se ainda mais importante em um País no qual 58% da população se conecta à internet exclusivamente pelo celular, aparelho fundamental para a inclusão digital das classes D e E. Os dados da pesquisa TIC Domicílios mais recente, realizada em 2019, mostram que as empresas precisam entender que muitos dos dispositivos não possuem memória para que diversos aplicativos de marca sejam baixados.
“Pensar nos consumidores que possuem dificuldade de acesso é um ponto fundamental, é uma questão de inclusão”, afirma Fernanda Hoefel. “Então qual é a melhor tecnologia para atender à necessidade que você identificou do seu consumidor? No varejo, por exemplo, o grande lance não é levar a tecnologia para a loja, mas por qual motivo levar a tecnologia para a loja. Qual é a jornada que diferentes consumidores deveriam ter dentro da loja e como a tecnologia pode ajudar nisso?”, exemplifica a sócia da McKinsey.
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Nesse sentido, Bruno Alves, vice-presidente de Inovação e Marketing da Plusoft, uma das maiores empresas de Human Experience do Brasil, ressalta a importância de acompanhar o consumidor de perto: “Hoje, já é possível mapear todos os pontos de contato do consumidor com a marca por meio do acompanhamento da jornada – momento da busca de informação, da entrada no website ou perfil nas redes sociais, da compra ao pós-venda, tendo todos esses eventos em uma plataforma omnicanal. A partir daí, é possível analisar esses dados e entender oportunidades e riscos.” É o pontapé para oferecer um relacionamento customizado e personalizado em todos os canais – e o meio para isso é a tecnologia. “Os consumidores esperam do digital capacidades semelhantes de ambientes físicos. Com a tecnologia, é possível encontrar experiências que mesclem soluções digitais com experiências físicas”, acrescenta Alves.
Carlos Coutinho corrobora com a visão de Alves, mas alerta sobre a escolha das tecnologias: “Tem muita coisa disponível e muita coisa maravilhosa, mas muita coisa que a empresa não vai conseguir usar. A tecnologia precisa combinar primeiro com o que o cliente quer, depois ela é ajustada ao negócio”, diz. Mas, para ele, duas delas são a base para garantir a experiência phygital: Internet das coisas (IoT) e Inteligência Artificial (IA). “Tendo bases de IoT e IA bem-consolidadas é possível evoluir para outras tecnologias, como a realidade aumentada. O blockchain também vem com força, mas IoT e IA são a base de tudo”, afirma o sócio da PwC. Claro que, além disso, a atenção com os dados e a análise deles é indispensável.

Um dos setores do mercado mais avançado quando se trata de fazer uso da tecnologia para evoluir a experiência do consumidor é o varejo. Durante a pandemia, os players viram as vendas dos canais on-line decolarem, implementaram estratégias phygitais como o ship from store e o clique e retire e levaram muitos pontos da experiência on-line para as lojas físicas.
A Lojas Renner S.A., varejista de moda que totaliza 607 unidades, viu um crescimento de 126% dos canais digitais em 2020 (comparado com o ano anterior). As vendas on-line representaram 12% do total de vendas da empresa. Em 2019, a taxa foi de apenas 4%.
Fabiana Taccola, diretora de Operações da Lojas Renner, afirma que esse crescimento é muito significativo por se tratar do setor de moda, no qual os clientes sentem a necessidade de experimentar e tocar o produto. Para a executiva, a transformação do ambiente digital, que já vinha sendo trabalhada desde 2018, facilitou esse cenário. “Temos, por exemplo, o provador virtual, que permite ao cliente experimentar a roupa digitalmente. Também disponibilizamos qualificações de produtos, para que haja o entendimento completo, com informações de modelagem e qual é o tamanho ideal para a pessoa. Melhoramos a própria forma de apresentação de conteúdo, incluindo movimento para saber se o tecido tem fluidez ou se é mais rígido. Muitos consumidores já estão conseguindo sentir o produto on-line”, diz.
Entre as estratégias que foram sucesso na pandemia, a executiva cita a prateleira infinita e o atendimento via WhatsApp. A primeira disponibiliza todos os produtos da loja física para o cliente no on-line. A segunda, considerada um passo digital humanizado, permite ao cliente conversar com um colaborador da loja, que vai mostrar vídeos da coleção, enviar fotos e auxiliar a compra on-line. O efeito de tudo isso tem sido um cliente mais fiel após a experimentação no on-line.
Na visão de Taccola, toda essa digitalização do consumidor teve início na loja física. “A gente veio transformando as próprias lojas físicas para que elas viabilizassem essa experiência e essa comodidade digital. Hoje, 25% dos clientes fazem o pagamento de forma digital dentro da loja física, sem passar pelo caixa tradicional. Então uma coisa puxa a outra. Hoje, o físico e o digital já se confundem”, afirma.
Com a C&A, outra varejista de moda, não é diferente: o on e o off estão andando lado a lado. Fernando Guglielmetti, head de E‑commerce da C&A Brasil, conta que em 2020 a receita líquida da operação via site e aplicativo teve alta de 444% em comparação ao ano anterior. Até o mês de maio, o ship from store representava 55% do faturamento do on-line. Não à toa, o modelo se expandiu e está presente em mais de 250 lojas atualmente.
“Acreditamos cada vez mais na sinergia entre o on e o off presente no processo decisório de compra do consumidor. Por isso oferecemos modalidades como o Clique & Retire Drive-thru, com a possibilidade de retirar as compras do e‑commerce de carro em uma loja física localizada em shopping center, e o Clique & Retire tradicional, para retirada da compra on-line na loja física. No segundo caso, existe a recém-lançada opção expressa, que permite retirar a compra na loja física em até três horas após a aprovação do pagamento”, conta Guglielmetti.
Quando se trata da interação com o cliente, algumas iniciativas da C&A chamam a atenção. Uma delas é o projeto “Básico Muito Digital”, no qual todas as camisetas básicas da loja possuem um QR Code estampado no interior. Ao escaneá-lo com o celular, em apenas um clique, o consumidor é direcionado para o site e pode comprar novamente a peça. Outra é a “Plataforma Digital Calçados”, lançada na C&A do Shopping Iguatemi em São Paulo. “O formato é inédito no varejo de moda e amplia a integração dos estoques on e off, disponibilizando na loja parte do sortimento do e‑commerce na categoria de calçados”, explica Fernando.
O varejo físico tem adotado cada vez mais elementos do digital
Tecnologias da experiência phygital
• INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA): a partir dela, os dispositivos aprendem e aprimoram os resultados, oferecendo mais facilidade e auxiliando na melhora contínua da experiência do consumidor.
• INTERNET DAS COISAS (IOT): permite a criação de dispositivos interativos, tornando o digital e o físico cada vez mais entrelaçados no dia a dia das pessoas.
• DADOS: o omnicanal é uma oportunidade enorme para o uso de dados em todos os pontos de contato da jornada. A partir daí, é possível ter insights e investir na personalização.
• BLOCKCHAIN: os blocos de registros imutáveis de dados já são vistos pelo mercado como uma tecnologia com grande potencial para facilitar processos.
• 5G: a nova tecnologia que está prestes a chegar no Brasil trará uma nova velocidade de conexão, que permitirá o uso fluido de tecnologias como a realidade aumentada.
“Plataforma Digital Calçados” lançada na C&A do shopping Iguatemi em São Paulo
O executivo enfatiza que, para pensar nessas soluções, a C&A possui uma área de Analytics e usa um algoritmo proprietário para entender quais são as necessidades dos consumidores.
Conhecer a fundo o consumidor também é a principal estratégia da Via Varejo. A responsável pelas bandeiras Casas Bahia e PontoFrio possui uma base com mais de 85 milhões de clientes, com vasto histórico de dados. Edinelson (Ted) Santos, diretor de Atendimento ao Cliente da Via Varejo, conta que “os dados são o elo entre as plataformas on, off e omni”. “Estes ativos, bem-usados, geram boa experiência independentemente da forma pela qual o cliente opta por interagir com a gente.”
A partir dessa inteligência de dados, a Via Varejo entende que é preciso estar conectada com o consumidor em todos os pontos de contato. As plataformas de venda estão sendo integradas para que, na loja física, o vendedor possa oferecer todos os produtos ofertados on-line, inclusive os do marketplace. Já o contato on-line com a loja física fica por conta do atendimento humanizado pelo WhatsApp.
“Nesta integração entre o digital e o físico, adquirimos o banQi, uma carteira de pagamento digital que nasceu para democratizar as soluções financeiras, garantindo maior autonomia e possibilidades para os brasileiros. Com ela, passamos a disponibilizar a opção do Carnê Digital para pagamentos em compras realizadas em nossa plataforma. Hoje, todo o nosso negócio é tecnologia, mas a tecnologia só é importante se facilitar a vida dos clientes. A grande mudança no varejo é a transferência de poder para o consumidor. Nós temos que estar prontos para atendê-lo segundo suas necessidades e desejos”, diz Ted.
A visão é compartilhada por Roberto Coimbra, diretor-executivo de Operações do Grupo Panvel, que vai além: “A experiência phygital é fantástica e tem mostrado que a união do físico com o digital atende melhor os consumidores. A jornada de compra ficou mais ágil e diversa. O consumidor ganhou mais poder e opções.” Na prática, as lojas da rede de farmácias operam como hubs de entrega e permitem aos consumidores escolher a forma como querem interagir com a marca, receber ou retirar seus produtos.
A digitalização do consumidor não aconteceu apenas em compras pontuais. O varejo alimentar também sentiu na pele esse comportamento e está voltando suas atenções para estratégias phygitais. Silvana Balbo, diretora de Marketing do Carrefour, entende que a nova experiência de compra é “uma cultura centrada no cliente, com canais de comunicação interativos e integrados, que considera a jornada completa, usando dados para oferecer a jornada ideal”.
Na prática, isso está trazendo resultados. No balanço mais recente divulgado pela empresa, o crescimento de 43,1% no lucro líquido em 2020 foi atribuído em grande parte à guinada digital. Só o e‑commerce alimentar do Grupo registrou aumento de 163,3%, incluindo o serviço de entrega rápida. Outra ferramenta digital que fez a diferença foi o novo aplicativo “Meu Carrefour”. Lançado no último novembro, ele já representa 75% dos clientes recorrentes.
“O app foi desenhado a partir de um mapeamento da jornada de ponta a ponta. Percebemos que existia muito mais complexidade na ‘pré-compra’, momento em que o consumidor se pergunta o que vai comprar, quanto está disposto a gastar, entre outros fatores. Então, colocamos funcionalidades no aplicativo para auxiliar na decisão de onde comprar. Uma delas é o leitor de preço, que permite saber o valor dos produtos que estão na lista de compras. Para o ‘durante a compra’, o app é uma das formas de conceder benefícios exclusivos, tanto descontos quanto recompensas e, no ‘pós-compra’, buscamos orientar o melhor uso para os produtos comprados. Desde que adquirimos o CyberCook, damos sugestões de preparos e até dicas de como aproveitar as sobras da receita, para evitar o desperdício. O objetivo final de tudo isso é criar um vínculo cada vez maior com a marca”, diz Silvana Balbo.
Em relação às lojas físicas, a diretora de Marketing do Carrefour conta que, para a empresa, o exemplo de digitalização está na loja da Rua Pamplona, em São Paulo. Com a premissa de facilitar a jornada do cliente e torná-la mais ágil e fluida, foi instalado um totem por meio do qual é possível identificar em qual corredor está o produto desejado. Para acabar com as filas dos perecíveis, foi instalado outro totem para gerar senhas e permitir que o cliente continue comprando enquanto espera a sua vez de ser atendido na padaria ou no açougue. A loja também conta a com plataforma de selfie-checkout.
Para Othon Vela, diretor de Growth e Customer Experience do GPA, a presença do digital na jornada do varejo alimentar veio para ficar. “O on-line traz comodidade e praticidade, complementando a experiência em loja física, que oferece aspectos únicos como os lados sensorial e social. No nosso caso, percebemos que clientes multicanais, que mesclam suas compras no ambiente físico e no on-line, têm um gasto médio quase três vezes maior do que aqueles que concentram as compras nas lojas físicas. No quarto trimestre de 2020, observamos que a quantidade de clientes multicanais nas bandeiras Extra e Pão de Açúcar dobrou na comparação com o mesmo período do ano anterior”, conta.
Entre as principais iniciativas do GPA, Othon Vela destaca as que compõem a plataforma de conhecimento do cliente e são utilizadas para oferecer uma “experiência única”. São elas: os aplicativos Clube Extra e Pão de Açúcar Mais; o programa de recompensa Stix, em parceria com a Raia Drogasil; o e‑commerce; e os aplicativos de entrega de terceiros e próprio, como o James, que é plataforma proprietária do Grupo. Vale dizer que, recentemente, o Pão de Açúcar fechou uma parceria para a venda de produtos no Mercado Livre, marketplace com a entrega mais rápida do Brasil atualmente.
“Em longo prazo, acreditamos que as compras on-line de alimentos passarão a fazer ainda mais parte do dia a dia das pessoas, até porque elas perceberam que é possível fazer uma compra de supermercado sem sair de casa, com variedade e qualidade de produtos. Durante o isolamento, a venda on-line de produtos como carnes, verduras, frutas, frios e laticínios teve alta acima da média dos demais produtos, com alguns casos batendo 500%. Prevemos que a inclusão de itens perecíveis seja cada vez maior na cesta virtual de compras”, explica Vela.
Fonte: BCG Covid-19 Consumer Sentiment Survey 2020
RELAÇÃO COM O DINHEIRO
Claro que, a partir do momento em que o consumo se digitaliza, as relações financeiras são diretamente influenciadas. No Itaú Unibanco, os acessos on-line dos clientes aos serviços bancários cresceram 30% em 2020. Atualmente, 65% da base ativa do banco usa os canais digitais. Renato Mansur, diretor de Canais Digitais da instituição, chama atenção, ainda, para a interação com os clientes: “observamos 42% de aumento no volume de conversas via assistente virtual. Apenas no WhatsApp Itaú, foram 1,5 milhão de novos clientes utilizando.”
A Zaitt é uma loja autônoma que fica aberta 24 horas e oferece uma experiência híbrida diferenciada
A demanda fez com que o Itaú tomasse algumas decisões importantes para melhorar a experiência dos clientes nos canais digitais. “Facilitamos operações que envolvem valores maiores e antes só eram possíveis nas agências, lançamos funcionalidades importantes como depósito de cheque, renegociação e até linhas emergenciais de crédito e criamos uma interface simples no aplicativo que contempla um conjunto de formulários por meio dos quais os clientes podem fazer solicitações de serviços operacionais sem precisar falar com gerentes ou ligar na central de atendimento. Também facilitamos a abertura de conta on-line e reconfiguramos nossos sites. Para os clientes que não estavam familiarizados com o on-line, divulgamos tutoriais de como realizar os serviços mais usados”, conta Renato Mansur.
Toda a evolução acompanha uma tendência de mercado. Lançado em novembro do ano passado pelo Banco Central, o Pix, um sistema de pagamento digital e instantâneo, disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, mostrou como as transações financeiras podem ser realizadas de forma rápida e fluida. A aceitação da ferramenta foi grande: atualmente, 70% dos brasileiros já utilizaram o serviço. “Isso mostra que os consumidores estão dispostos a adotar inovações que tragam benefícios para o seu dia a dia”, afirma Priscila Salles, CMO do Inter.
Aliás, inovação é o que não falta nos planos do Inter. Salles explica que, na visão do banco digital, as plataformas mais bem-sucedidas serão aquelas capazes de oferecer tudo o que o cliente precisa em um conceito de “one stop shop”. “Por isso, estamos em constante evolução. Começamos com o projeto de uma conta-corrente completa, totalmente gratuita e digital. Em seguida, passamos a oferecer também uma plataforma aberta de investimentos, com ofertas próprias e de terceiros em renda fixa e variável. Agora, lançamos um marketplace com cashback”, disserta.
Nesse cenário, as adquirentes também precisaram oferecer novos serviços. A Stone, por exemplo, tem-se dedicado à digitalização do varejo. “Vários negócios precisaram adaptar a operação para o phygital. Nos dedicamos a isso e lançamos, nos últimos seis meses, uma frente para o nosso cliente vender on-line através de link de pagamento; fizemos uma adaptação para conseguir oferecer o Pix através de uma venda on-line, já que não é possível usá-lo por QR Code quando se compra no site pelo celular; e lançamos uma vitrine on-line para que o cliente pudesse colocar na bio do Instagram”, conta Alessandra Giner, diretora de Marketing da Stone.
O mercado financeiro brasileiro deve passar por muitas mudanças nos próximos anos. Isso porque, além da mudança do comportamento do consumidor, o Banco Central está implementando o Open Banking – programa que irá permitir o compartilhamento de dados entre os players, aumentando a competitividade e trazendo a possibilidade de criação de novos produtos e serviços. Nesse sentido, Giner afirma: “A importância de inovar sempre é ímpar. Vivemos em um mundo que está em constante movimento e, cada vez mais, as coisas estão trazendo um dinamismo que a inovação tem que ser inerte ao negócio.”
Outro âmbito essencial na vida das pessoas que está cada vez mais digital é a saúde. Atendimentos de telemedicina, integração de sistemas com dados do paciente e outras inovações têm transformado a experiência dentro do setor. “De um ano para cá, temos cada vez mais clientes usando a tecnologia e percebendo que é possível cuidar da própria saúde de forma híbrida. Para fazer a ponte entre o mundo digital e o físico sem perder o foco na humanização do atendimento, o Grupo Fleury tem buscado soluções que permitam fornecer experiência interativa única, ou seja, estamos retirando aceleradamente as etapas de fricção que não geram valor na interação com o cliente, como nas etapas de abertura de ficha, que pode ser realizada de casa, para investir cada vez mais na interação que ocorre na realização efetiva dos exames e procedimentos”, afirma William Malfatti, diretor de Comunicações, Relações Institucionais e Relacionamento com Clientes do Grupo Fleury.
Dentro dos hospitais, o uso de tecnologia também está mudando o atendimento. Ariel Dascal, Chief Digital Officer da Rede D’Or São Luiz, conta que o foco da transformação digital tem sido no cliente e no médico. “Criamos serviços de agendamento on-line de consultas e exames, temos as áreas do paciente e do médico, nas quais estão disponíveis exames, consultas e todo o relacionamento com a rede e disponibilizamos a visita virtual da família ao paciente internado.”
Já no Hospital Sírio-Libanês, além de melhorar a experiência do atendimento, possibilitando check-in de exames via WhatsApp para evitar que o cliente precise abrir ficha no local, a tecnologia tem otimizado processos. “Hoje, conseguimos identificar áreas de maior ocupação e, em alguns casos, redirecionar o paciente para outros exames, evitando potencialmente atrasos, enquanto ainda priorizamos pacientes graves de pronto atendimento e internados. Isso só é possível através de sistemas informatizados integrados”, diz o Dr. Felipe Veiga, diretor médico em TI e Imagens Médicas no Sírio-Libanês.

48,8%
vão comprar on-line com mais frequência depois da pandemia
Quando se trata dos planos de saúde não é diferente. O Sistema Hapvida busca padronizar as informações e oferecer um atendimento humanizado, independentemente do canal. “Diversos setores e projetos são desenvolvidos para levar a companhia a um patamar diferenciado no atendimento aos beneficiários, oferecendo soluções que usam a inovação tecnológica para oferecer acesso à saúde de qualidade, com acolhimento e eficiência em custos. Para tanto, trabalhamos os canais de maneira integrada, oferecendo ao cliente o atendimento imediato”, conta Carlos Prebelli, diretor-executivo Comercial do Sistema Hapvida.
Para Andrea Dolabela, diretora-geral de Produtos, Marketing e Experiência da Dasa, os principais benefícios da digitalização da saúde envolvem três dimensões: aumento da qualidade do cuidado, redução do custo e consequente aumento do acesso à saúde.
“Ao unir informações de diferentes fontes e pontos de contato, podemos identificar e antecipar as necessidades de pacientes e profissionais de saúde, facilitando os esforços de prevenção e tratamento no momento mais adequado. É possível alertar a um médico, por exemplo, que seu paciente com diabetes não realizou o controle de glicemia previsto, e oferecer a ele a chance de se comunicar com o paciente diretamente para que mantenha a rotina de cuidado em dia. A redução do custo vem, principalmente, da integração de informações que permitem aos profissionais uma atuação mais assertiva e eficiente, além da redução do tempo gasto com tarefas burocráticas que não agregam valor ao cuidado. Exames repetidos desnecessariamente são evitados. Por fim, a digitalização torna o acesso à saúde significativamente mais conveniente para o paciente. Na Dasa, por exemplo, estamos avançando para disponibilizar ao paciente e ao médico todo seu histórico de saúde na palma da mão, acesso imediato a consultas por telemedicina em qualquer lugar e agendamento facilitado de exames e procedimentos”, explica Dolabela.
Um exemplo desses benefícios na prática é a recém-lançada Saúde iD. Com a plataforma do Grupo Fleury, é possível realizar uma assinatura de serviços de saúde e ter acesso a consulta médica, exames e diversos serviços e produtos de saúde e bem-estar. Tudo isso por um valor que varia de R$ 29,90 a R$ 59,90. “A Saúde iD possibilita dar acesso à saúde de qualidade para 76% da população que não tem condições de ter um plano de saúde. No app, o usuário tem em um único lugar todas as informações do histórico de saúde, bem como acesso aos serviços. É uma evolução dentro do sistema de saúde”, afirma o executivo do Grupo Fleury, William Malfatti.
Com tanta comodidade trazida pela digitalização de todos os âmbitos da vida, e ainda sob o risco de contaminação pelo novo coronavírus, as pessoas estão saindo menos de casa. Como consequência, o espaço ganhou valor e tem sido ressignificado. Segundo pesquisa do Grupo Consumoteca, durante o isolamento social, 55% de pessoas da classe A e 39% de pessoas da classe C fizeram alguma mudança na decoração do lar.

Mas, tomar a decisão correta de como repaginar a casa e se sentir mais confortável dentro dela pode não ser uma escolha fácil. Para auxiliar esse consumidor, a Telhanorte Tumelero desenhou um serviço exclusivo disponível tanto nas lojas físicas quanto no e‑commerce. “Os nossos clientes possuem uma angústia de ter apenas uma ideia do que querem mudar na casa, vinda de referências vistas na internet e em revistas. Então, a gente tem implementado em mais de 80% das lojas um projeto que chama ‘Projete-se’. Disponibilizamos gratuitamente arquitetas e designers para escutarem a história do cliente e usarem um software para colocar em um 3D produtos disponíveis na loja de acordo com o desejado e dentro do orçamento desse cliente. Isso também pode ser feito on-line. Temos uma parceria com a startup Arquiteto de Bolso, que realiza o projeto 3D, entrega para o cliente e, se ele compra o mínimo nas lojas, esse valor é abatido”, conta Pablo Satyro, diretor de Marketing da Telhanorte Tumelero.
Porém, por ser uma compra de ticket médio maior e muitas vezes se tratar da realização de um sonho, Satyro conta que a experiência física é muito importante e 90% das compras ainda passam por um vendedor. Por isso, o grande investimento que tem sido feito é para manter o cliente bem-informado e dar o apoio necessário durante toda a jornada, seja por atendimento presencial de vendedores que possuem aplicativo próprio, para ter acesso fácil a todas as informações, seja pelo contato via WhatsApp ou até por publicação com conteúdo rico nas redes sociais.
O autoatendimento é um recurso que tem se popularizado dentro das lojas físicas
Quando se trata de adquirir um imóvel, a jornada phygital fica ainda mais presente. As buscas se iniciam pela internet, o contato com o corretor é feito por WhatsApp, mas a visita física é considerada indispensável pela maioria dos consumidores. “Existem soluções digitais para fazer tudo virtualmente. Com visitas 3D, você consegue ver o apartamento. Mas, por mais evoluída que essa experiência seja, ela não substitui a visita física”, afirma Joseph Nigri, CEO da Tecnisa.
Sabendo disso, a empresa tem buscado tecnologias que retirem a fricção da jornada. Joseph Nigri cita uma em especial: o blockchain. Segundo ele, a tecnologia já se provou, mas ainda não pode ser usada na prática por causa do ambiente regulatório brasileiro. “O casamento entre blockchain e real state é perfeito. Torna possível comprar um imóvel pelo celular, com poucos cliques, sem precisar ir ao cartório ou preparar toda uma documentação. Se os imóveis forem tokenizados no blockchain, é possível comprar os tokens da mesma forma que a ação de uma empresa é comprada atualmente. Isso pode mudar muito a experiência dos clientes e estamos de olho”, diz Nigri.
A MRV também possui esse olhar tecnológico e colocou algumas funcionalidades em prática para se manter perto do cliente durante a pandemia. Joice Cristina Silva, gestora executiva de Relacionamento com o Cliente da MRV, conta que pontos importantes da jornada foram adaptados. Entre eles estão a visita à obra, que passou a ser on-line, e a implantação de condomínio, feita agora em assembleias virtuais. As novidades foram tão bem aceitas que devem permanecer no pós-pandemia.
Para o contato físico, ainda muito importante no ramo, a MRV desenhou centros de experiência. “Oferecemos diversos serviços e facilidades tecnológicas. O cliente pode, por exemplo, vivenciar uma experiência imersiva e conhecer seu futuro apartamento através da realidade aumentada. É um ambiente híbrido entre físico e digital, 100% focado na experiência do consumidor, seguindo os pilares de convivência, consumo consciente e tecnologia”, conta Joice Cristina Silva.
Mas não para por aí. O modelo de produto oferecido também tem sido repaginado para atender ao perfil mais phygital da sociedade. Com o entendimento de que o trabalho remoto veio para ficar, mas, por questões de cyber security, ergonomia e acústica, o home office pode não ser a melhor opção, a Tecnisa está desenvolvendo projetos em bairros de entorno residencial que possuem o subcondomínio residencial e o subcondomínio não residencial. Joseph Nigri conta como isso funciona: “As empresas podem ter escritórios menores espalhados pela cidade. Isso reduz custos, o funcionário se locomove menos e o meio ambiente agradece. Então, projetamos fazer estações de trabalho remotas. Vamos lançar produtos nessa linha para vender para investidores. É um produto de renda, para que as empresas paguem para seus funcionários trabalharem a partir desses ambientes e não de casa, porque a casa pode não ser tão segura em vários sentidos.”
Todas as mudanças no dia a dia do consumidor – menor frequência nas lojas físicas, trabalho remoto definitivo, valorização do lar – vão mudar drasticamente a forma de pensar a mobilidade. Pessoas que estavam acostumadas a passar horas no trânsito diariamente já entendem que é possível ter uma qualidade de vida melhor. Herlander Zola, diretor do Brand Fiat e Operações Comerciais Brasil, acredita que o automóvel vai passar a ser encarado com uma visão de serviço e conta como a montadora tem agido diante de tantas novidades.
“Para se conectar ainda mais com um consumidor que mudou, a Fiat promoveu uma profunda evolução para um novo modelo de negócios. A renovação passa pelo forte incremento em design, tecnologias, funcionalidade e conectividade. Isso será muito visível nos próximos lançamentos de veículos, motores, transmissão e serviços conectados”, afirma Zola. “Mas não pode parar por aí. A participação do digital na jornada de compra dos clientes aumentou em mais de 90%. É preciso, portanto, aprimorar constantemente a experiência”, acrescenta.
Nesse sentido, uma das inovações da Fiat é levar a concessionária até o cliente. Funciona da seguinte forma: o consumidor escolhe a oferta de um concessionário e faz todo o processo de forma on-line. Negociação, preenchimento de ficha, avaliação do veículo usado a ser utilizado como parte do pagamento e aprovação do financiamento podem ser feitos no digital, por e‑mail, telefone ou WhatsApp. O test drive e a entrega do veículo podem ser agendados na casa do cliente.
A Mercedes-Benz também seguiu o caminho de surpreender durante a jornada para incrementar a experiência do consumidor. “Os universos físico e digital irão se aproximar cada vez mais em vendas, serviços, manutenções e outros novos conteúdos. Nosso site permite configurar um automóvel e reservar um test drive. Na loja do Instagram, é possível reservar a compra de um modelo. Mas nenhum ambiente digital substitui a experiência de sentir o cheiro do couro novo, o toque dos materiais e se sentar no modelo que sempre sonhou”, afirma Ariadne Ladeira, head de Experiência do Cliente Automóveis da montadora. Exatamente por isso, foi implementado um novo conceito showroom que, além de mais digital, oferece em alguns casos barbearia exclusiva e uma cozinha gourmet com chef à disposição para preparar almoços exclusivos para os clientes.
De olho em outro perfil de consumidor, o mercado também está lançando o modelo de carro por assinatura. Por meio dele, é possível escolher planos e pagar parcelas mensalmente para ter um carro zero KM, com todas as documentações em dia, seguro e manutenção inclusos. Com a contratação feita on-line, a opção traz mais praticidade para o cliente. A Flua! é o braço da FCA, detentora de marcas como Fiat, Jeep e Chrysler, para o serviço. “Consideramos os clientes da Flua! um perfil sem apego à propriedade, bastante conectado e tecnológico, que valoriza a autenticidade e a experiência. Como costumamos dizer, o mundo mudou, e ter carro ficou diferente. Nosso objetivo não é fazer com que o consumidor migre do modelo tradicional de compra para o sistema de assinatura. É um novo modelo de negócio para atrair um novo perfil de cliente”, afirma o executivo da Fiat Herlander Zola. E, de fato, o setor automobilístico tem mostrado que o consumidor está no comando; ele tem diversas opções para decidir o que é melhor para ele.
Os movimentos de digitalização e maior exigência do consumidor também lançaram indústrias tradicionais a se mostrar mais próximas do consumidor. A coleta de dados foi intensificada para que as inovações nos produtos acompanhassem o momento de vida de cada pessoa. “Nos reinventamos on-line para entender melhor quais são as necessidades dos consumidores e o que eles esperam de nós. Conseguimos criar um diário do consumidor, através de entrevistas on-line realizadas diariamente, por câmeras, além dos dados coletados pelo nosso trabalho de social listening, em que monitoramos todos os comentários públicos na internet. Isso está sendo muito importante, pois as pessoas estão em isolamento social e o contato direto, com tratamento individual, passou a ser ainda mais valorizado”, diz Marcos Bauer, diretor de Inteligência de Mercado da P&G Brasil.
Esse contato mais próximo gerou o entendimento de novos hábitos e possibilitou o lançamento de produtos para cuidar da higiene e beleza em casa, duas grandes demandas percebidas. Entre as novidades estão o Downy Spray Higienizador, capaz de matar 99% das bactérias, e a linha Pantene Bambu, que combate o efeito do estresse no cabelo.
O mesmo movimento acontece dentro da PepsiCo. “Nosso time de Consumer Insights trabalha para identificar hábitos, gostos, preferências e desejos dos nossos públicos. Observamos, por exemplo, um crescimento da preferência por produtos que podem ser consumidos em família ou compartilhados e adotamos a estratégia de disponibilizar tamanhos de pacotes de acordo com a ocasião de consumo”, afirma David Kahn, vice-presidente de Vendas da PepsiCo. A inteligência também é utilizada para garantir a melhor experiência nos pontos de venda dos produtos. “Trabalhamos o que chamamos de Loja Perfeita. Aprofundamos o estudo dos hábitos de compra para que nossos produtos estejam perfeitamente posicionados, precificados e com o cross category no ponto de venda. Além disso, ativações do time de mídia direcionam o consumidor para varejos com disponibilidade e exploram ferramentas como o click to buy e a utilização de QR Code em campanhas veiculadas em rede nacional”, completa.
A PepsiCo também vem trabalhando para transformar os sistemas comerciais da companhia, utilizando a combinação de inteligência artificial, dados e IoT para ter mais dados comerciais, transacionais e de gerenciamento ágil. O intuito é sempre atender melhor o consumidor final.
Para que toda essa dinâmica phygital aconteça, é preciso ter conexão. Com o objetivo de garantir que os consumidores tivessem acesso ao melhor serviço para fazer uma compra on-line, usar o internet banking ou ser atendido em uma teleconsulta, as empresas de telecomunicação também se digitalizaram mais. O propósito da Vivo deixa isso muito claro: “Digitalizar para Aproximar”.
“Nosso esforço contínuo é promover a digitalização para aproximar as pessoas de tudo o que importa em suas vidas. Estamos tornando a Vivo uma referência em atendimento ao cliente. Queremos entregar uma experiência única e diferenciada em todos os pontos de contato. Neste novo contexto em que temos vivido, incentivamos ainda mais o uso dos nossos canais on-line. Tivemos altas históricas nas plataformas de atendimento, com Meu Vivo e Aura, nossa inteligência artificial”, diz Marina Daineze, diretora de Imagem e Marca da Vivo.
Como forma de apoiar o cliente onde ele estiver, a operadora criou o Vivo em Casa. O programa oferece, por exemplo, o Vivo Guru, um profissional especializado em tecnologia para tirar as dúvidas dos clientes. Incialmente, o atendimento era realizado nas lojas, agora está presente também nos canais digitais.
Dando o controle da jornada para o cliente, a TIM também viu a necessidade de fortalecer os canais digitais de atendimento. Alberto Griselli, vice-presidente Comercial da operadora, conta que as atenções se voltaram para simplificar o autoatendimento. “O aplicativo Meu TIM é ferramenta fundamental para a simplificação dos processos, proporcionando maior transparência e controle a clientes no momento de gerenciarem seus planos. Outra iniciativa tem sido o uso de inteligência artificial na central de relacionamento. No acumulado de 2020, mais de 22 milhões de chamadas passaram pela nova URA Cognitiva”, diz.
O canal de contato com o C‑Level também mudou. Isso é enfatizado pela Algar Telecom, que formou um time de atendimento chamado FiGital. O projeto consiste no atendimento multiplataforma de grandes clientes corporativos. Iuri Mendonça, diretor de Negócios Corporativos da Algar Telecom, explica o cenário. “Os executivos de alta liderança passaram a ser mais abertos a interações por plataformas digitais, como LinkedIn, WhatsApp, Instagram e Telegram. Não temos mais dúvidas de que o atendimento phygital é um caminho sem volta. Entre os principais ganhos dessa nova abordagem comercial estão o aumento da produtividade, graças à redução nos deslocamentos, e a redução da janela de vendas. Em alguns casos, no modelo convencional, o processo de negociação pode levar de três a quatro meses, mas com o FiGital já temos situações em que essa janela é reduzida para 24 horas, em razão da maior fluidez no processo de comunicação e eliminação de etapas intermediárias de prospecção.”
O atendimento é um ponto em comum de todos os setores do mercado, é o ponto-chave para complementar e consolidar todas as inovações phygitais citadas. Em outras palavras, é o que torna a experiência do cliente completa. E esse serviço também passou transformações significativas. “Uma boa experiência está pautada, principalmente, no bom atendimento. Hoje, o que de fato fideliza o cliente é o atendimento diferenciado, que saiba ouvi-lo, valorize o que ele tem a dizer e traga soluções eficazes. O phygital chega para trazer acessibilidade. De qualquer lugar, a qualquer momento, uma pessoa pode acessar um universo de ofertas e, por isso, o atendimento personalizado e uma boa experiência fazem toda a diferença”, afirma Celso Ramiro, vice-presidente de Operações e Transformação Digital da AeC.
Com o físico e o digital se confundindo cada vez mais, os consumidores buscam um atendimento linear, independentemente de ele ser realizado por um robô ou por um atendente. É o que explica Fabio Toledo, VP de Operações da Mutant. “O consumidor busca por um atendimento empático e ágil, que lhe traga a sensação de importância dentro da marca. O cliente, além da resolução do problema, quer que o atendente e o robô sejam atenciosos. Uma forma de atingir essa fluidez é ter um atendimento omnichannel coeso; todos os canais precisam falar a mesma língua e oferecer a mesma experiência, seja ela oferecida por um atendente, seja por um bot.”
Tendo esse objetivo em vista, a Atento busca sempre ouvir e conhecer o cliente de perto. “Pensando em entregar o tipo de atendimento que o consumidor prefere, destaco o trabalho de duas áreas dentro da companhia. Primeiro, a equipe de Consultoria de CX, que faz o desenho das jornadas ideais de relacionamento, de acordo com o perfil de cada usuário. E a área de LUI, responsável por desenvolver as linguagens ideais para cada interface conversacional e que estabeleceu uma metodologia exclusiva para a criação de Brand Personas Conversacionais, que leva em consideração a cultura da empresa e as expectativas dos seus consumidores”, diz Luis Guilherme Sanches, vice-presidente Comercial da Atento Brasil. O executivo ainda destaca a necessidade de criar proximidade em todo o processo omnicanal: “É importante gerar conexões emocionais com o consumidor. Isso é feito, por exemplo, por meio de um atendimento humano que entrega empatia, compreende o problema em profundidade e o resolve por completo. Ou, também, quando mostramos ao cliente que ele é o detentor do poder.”
Uma solução da AlmavivA do Brasil que trouxe essa proximidade foi a liberação do atendimento por videochamadas. “Foi uma mudança importante. Passamos a sugerir ao cliente esta modalidade para ele se sentir mais próximo do consultor, e em alguns casos, inclusive, pudemos apresentar o produto em tempo real. O movimento ajudou a diminuir o distanciamento e a humanizar o relacionamento. Mas, o processo de ‘Do It Yourself’ está cada vez mais latente no dia a dia dos consumidores e empresas podem acionar portais, comando por WhatsApp/SMS, URA de voz e chat com bots”, afirma Domenico Rossi, vice-presidente Sênior de Operações da AlmavivA do Brasil.
O uso da tecnologia veio para reformular a experiência de consumo
Essa proximidade será cada vez mais oferecida também pelos contatos estritamente digitais. É o que explica Marco Aurélio Borges Matos, diretor de Gestão do Relacionamento com o Cliente da Algar Tech. “A proposta é tornar o atendimento digital o mais próximo do humano, e até mesmo superá-lo. As tecnologias serão cada vez mais indispensáveis no relacionamento com o cliente e terão grandes evoluções. Hoje, elas estão baseadas em bots, RPA, API e cognição. Nos próximos anos, será comum o uso de Inteligência Artificial e Machine Learning, levando o atendimento digital a um outro nível. Por meio da base de conhecimento, ele será mais preditivo, resolutivo e, principalmente, personalizado e humanizado. Os dados ganharão um protagonismo crescente e inigualável. O foco será sempre superar as expectativas dos nossos clientes.”
Fabio Toledo, da Mutant, destaca três pontos de evolução das tecnologias usadas atualmente para que novas soluções de produtos e serviços sejam criadas e a experiência do consumidor siga se reinventando. O foco dos pontos deve ser na personalização. São eles: conectividade multimodal, que permite a conexão efetiva de múltiplos touchpoints; convergência de linguagem; e mapeamento de rastros digitais.
Em um panorama geral, este é apenas o início da nova forma de pensar a experiência. Muita coisa ainda está por vir, principalmente pela iminente chegada do 5G no Brasil. Com maior conectividade e velocidade na troca de dados, o uso de tecnologias disruptivas será viabilizado. Além disso, surgirão possibilidades que sequer imaginamos atualmente. É manter o radar ligado para sair na frente.