
A guerra no supermercado
Jornalista e um dos apresentadores do programa Manhattan Connection da GloboNews
Quem quer passear no supermercado durante a pandemia? Este templo de necessidades e descoberta de novas necessidades deixou de ser uma “experiência”. A pandemia exige um plano de guerra: entrar bem protegido e cair fora o mais cedo possível.
Este planejamento ocorre dos dois lados no campo de batalha: acabou a dolce vita da amostra grátis (ah, que saudades dos petiscos). São tempos de menor contato possível e de menos variedade, pois a batalha da ida ao supermercado é mais rápida, mais eficiente, mais brutal.
E olha que tudo isso acontece com os americanos gastando mais nas idas menos frequentes ao supermercado, comprando mais do mesmo (além, é claro, de incrementarem a compra online.). Esta redução de escolhas é definida como “sovietização” do consumo, em alusão aos tempos da finada URSS, de desoladoras prateleiras nos supermercados.
Sim, a expressão é um exagero, mas se a referência não for a finada URSS, mas o glorioso império do capitalismo americano, aqui vai uma comparação gritante. Nestes tempos de pandemia, o foco das cadeias de supermercados é reestocar os mil itens mais vendidos, como marcas consagradas de detergente, macarrão e biscoito. Para trás ficou o charme de produtos mais artesanais, exóticos e também saudáveis.
Vamos ver se esta diminuição de oferta será duradoura. O fato é que o número de itens nos supermercados americanos saltou de 9 mil em 1975 para 50 mil em 2020. E a tendência se consolida também nas compras online, e isso tem lugar globalmente. No primeiro semestre do ano, a variedade de produtos alimentícios embalados caiu em 21% nas prateleiras virtuais, seguindo a mesma lógica de tornar tudo mais brutalmente eficiente.
Este esquema de compras mais no atacado (e menos criativas) em supermercado foi também impulsionado pelo fechamento de restaurantes na pandemia (e temores de volta mesmo quando reabertos). Os americanos estão cozinhando mais em casa ou simplesmente atacando as prateleiras de comida pronta nos supermercados.
Em março, no início da pandemia, foi estonteante. A conta média no mês saltou para US$ 525, 30% a mais do que em março de 2019. Em julho, já assentou um pouco para US$ 455, alta de 10% em relação ao mesmo mês no ano passado. Sem esquecer que o gasto subiu em tempos da mais grave crise econômica desde a Grande Depressão.
Os novos tempos trazem também uma mudança cultural. Nas residências americanas, cada vez mais homens se assumem como o principal comprador em supermercados, enfatizando que preferem comprar em maior quantidade, menos frequência, menor variedade e mais rapidez. E eu confesso que, como dono de casa, me sinto à vontade com estas tendências econômicas, de comportamento e culturais no admirável mundo novo do supermercado.