Os últimos anos têm sido pródigos na adoção de técnicas que permitam às empresas criar inovação. O roteiro é conhecido: as tecnologias digitais começam a surgir no horizonte, parecem uma promessa longínqua, quando não irrealizável, de bom negócio, e então irrompem com força incalculável, desmaterializando, democratizando e desmonetizando negócios tradicionais (o famoso modelos dos 6 “Ds” proposto por Ray Kurzweil), transferindo o valor existente e capturando valor adicional em outro modelo já considerado disruptivo.
Quando a disrupção surge é que normalmente uma empresa tradicional, incumbente ou líder olha para si mesma e se questiona, tentando identificar por que não consegue inovar em condições que permitam reinventar o negócio sem sacrificar demasiadamente o legado existente. É aí que toda sorte de técnicas é incorporada para estimular a produção de inovação capaz de assegurar a perenidade da organização. Logo, logo, diversas áreas se dedicam com afinco a realizar projetos utilizando design thinking, formando times ágeis, executando sprints, prototipando, contratando palestrantes descolados. Uma certa euforia e uma boa dose de expectativas ganham corpo e então, depois de algum tempo, o vazio.
Pena que toda essa atividade não tenha poder real de mudar a mentalidade da empresa, salvo em casos pontuais. Normalmente, os processos de produção de inovação seguem rituais e técnicas eficientes, de poder comprovado, mas que, ao tomar contato com culturas sólidas e interesses definidos, são “domesticados” ao ponto de se tornarem “inofensivos” diante do senso de preservação, da burocracia, da imposição da hierarquia.
Não é que as empresa tradicionais não queiram inovar. É que a inovação como processo escancara uma possibilidade real de obsolescência, de irrelevância e disponibilidade que poucos executivos gostam de encarar. Entre a entrega de lucro no trimestre e a promessa de mudança de uma inovação incerta, o primeiro se impõe.
Mas existe uma forma simples de galvanizar a atenção da liderança executiva para que a inovação ganhe mais do que espaço e seja vista como uma forma de levar negócios para novos patamares de adição de valor: sair às ruas, ligar os ouvidos e escutar o que os consumidores têm a dizer sobre suas dores no consumo de produtos e serviços, nas lojas e nos sites, nos apps e nas redes sociais.
E, quando falamos em sair às ruas, isso significa olhar e interagir com os extremos, como defende a escola sueca de inovação Hyper Island, parceira do Centro de Inteligência Padrão (CIP) na avaliação do Prêmio Whow! de Inovação 2020. Sair da bolha cognitiva e cultural que cerca a maior parte dos executivos, retirar os filtros que envolvem a informação recebida pelos “clippings” das áreas de comunicação e pelos relatórios de marketing, descobrir uma nuvem de palavras-chave, tags e conceitos vinculados à real experiência do cliente faz maravilhas para dar sentido aos métodos ágeis, aos processos de ideação e às práticas de “fail fast”. Porque antes de incorporar formatos de produção de inovação, é preciso estar aberto à ideia de que eles estão firmemente conectados com a predisposição de ouvir o cliente. É ele o grande incentivador e indutor de disrupções. A startup que tira o seu sono ou que alimenta o seu sonho de empreendedor nasce justamente do contato com a realidade, exercitando um par de ouvidos para absorver o que incomoda o cliente.
Isso vai além de passar um dia em uma operação de atendimento. É um exercício de humildade e desprendimento, receptivo à simplicidade da vida, à manifestação espontânea e à formação de insights. Sair às ruas de fato é adquirir um repertório que depois, em um processo de ideação, faz maravilhas.
Em um mundo tão complexo, como é possível que essa ideia tão simples possa realmente ser tão poderosa? Bom, na verdade, ela nada tem de simples. Isso porque colocar os dois pés na realidade confronta uma mentalidade de trabalho intenso, dominado pelos rituais e atividades que fazem a empresa se reconhecer. O olhar de fora, a voz da rua são sempre elementos desconfortáveis, que causam inquietação e mexem com as certezas, retiram executivos da zona de conforto. Muitos líderes poderão dizer que fazem pesquisas, que usam o analytics nas interações nos diferentes canais, que se informam. E tudo bem com isso. Mas, cada fonte de informação disponível normalmente vem revestida de camadas de preconceitos e filtros que sempre podem influenciar decisões menos qualificadas.
É hora de sair às ruas, sem pensar no quão exótica a experiência pode ser. Histórias reais, comportamentos erráticos, ideias simplórias, surpresas aqui e ali vão enriquecer o repertório de quem realmente acredita no poder transformador da inovação. É muito provável que sua empresa consiga propor inovações disruptivas antes que um novo competidor o faça.
Nunca é tarde para colocar os ouvidos para trabalhar.