MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
A TRISTE FÁBULA DO
CIGARRO
A TRISTE FÁBULA DO CIGARRO
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
“Morreram mais pessoas no século 20 por conta do cigarro do que em decorrência das loucuras da guerra nazista”
O título deste artigo não se refere ao marido da cigarra, o cigarro. Mas seria bonitinho imaginar uma fábula do cigarro e do formigo nos dias de hoje de tanto desemprego. Os dois estariam sem trabalho…
Brincadeiras à parte, quase cai da cadeira quando li uma manchete nos jornais: Governo cria grupo de trabalho para avaliar a conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil. Li pela segunda vez e fiquei pensando: deve ter um erro gráfico e onde se lê redução deve ter sido escrito majoração. Li pela terceira vez e me convenci de que a proposta era essa mesma. Lembrei do filósofo Michael Sandel que em seu livro Justiça: o que é fazer a coisa certa relata que um certo fabricante de cigarros fez um estudo demonstrando que, por conta da disseminação do cigarro, as despesas públicas com hospital e previdência eram menores, uma vez que as pessoas morriam mais cedo. Pode? Na matemática pode…
Vamos primeiro aos fatos: no site da OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde consta a seguinte informação:
O tabaco é uma das principais causas evitáveis de mortes em todo o mundo. Estima-se que, durante o século 20, cem milhões de pessoas faleceram devido ao seu consumo, sendo o hábito de fumar responsável por 12% da mortalidade adulta mundial.
Apesar de os números serem incertos, podemos afirmar que na maior de todas as guerras da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, morreram no máximo 85 milhões de pessoas. A conclusão é direta: morreram mais pessoas no século 20 por conta do cigarro do que em decorrência das loucuras da guerra nazista. Além disso, o tabaco é evitável, diferentemente de outros tipos de mortes que são inevitáveis.
Diante deste quadro dramático, o que esperar das autoridades? No mínimo, que pautem o debate público de uma forma técnica, sem ideias preconcebidas e com abertura para a análise de todas as hipóteses possíveis de solução deste problema de saúde pública. Todas. O foco central jamais poderia deixar de ser a saúde pública. Este é o valor maior.
Nesse sentido, a Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde para o Controle do Tabaco estabelece que uma das providências que deve ser adotada para não permitir que os jovens comecem a fumar é estabelecer políticas de preços impeditivos:
Artigo 6º, 1. As Partes reconhecem que medidas relacionadas a preços e impostos são meios eficazes e importantes para que diversos segmentos da população, em particular os jovens, reduzam o consumo de tabaco.
Ocorre que, na contramão, a portaria editada pelo governo parte de um preconceito, um pressuposto: a redução dos impostos do cigarro. Só. Todos os demais caminhos são abandonados de antemão. Por que não estudar o aumento dos impostos e um esquema real de combate ao contrabando de cigarros? Preços mais baixos farão com que os jovens não comecem a fumar? A quem interessa este caminho de mão única? Aos consumidores e jovens potenciais fumantes com certeza não.
No creo en brujas, pero que las hay, las hay.
“Morreram mais pessoas no século 20 por conta do cigarro do que em decorrência das loucuras da guerra nazista”