Admirável mundo novo
Jornalistas da Consumidor Moderno visitaram alguns dos shoppings logo depois da reabertura e narram a experiência
É COMO VOLTAR A USAR UM MEMBRO IMOBILIZADO por meses. Ainda que clinicamente pronto para o uso, os movimentos, antes espontâneos, parecem difíceis. Os jornalistas da Consumidor Moderno foram verificar a abertura comercial em diferentes shoppings da capital paulista, uma das áreas mais atingidas pelo novo coronavírus e igualmente pelo impacto econômico do isolamento social.
O desejo de empresas e consumidores em retomar o contato pós-isolamento venceu. Mas, como uma parte do corpo recuperada depois de uma longa fase engessada, a retomada do movimento é gradual, um tanto desajeitada e em um ritmo impresso pelo medo e por um ambiente redesenhado por protocolos dos quais só tínhamos notícia na ficção científica: máscaras, banhos de ultravioleta, medição de temperatura, exigência de distância entre as pessoas – em locais desenhados para reunir pessoas.

Vice-presidente Comercial e de Marketing do Iguatemi Empresa de Shopping Centers

Antecipação
O shopping Iguatemi foi veloz e apresentou suas medidas de segurança em uma campanha que antecedeu a divulgação do protocolo da Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), em junho, quando a reabertura foi autorizada pela prefeitura em junho. Além das medidas obrigatórias elaboradas em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, o Grupo apresentou um cardápio de soluções de segurança que não deixam atrás os um dia futuristas cenários sci-fi. Luz ultravioleta para desinfecção de corrimãos de escadas rolantes, botões touchless para chamada de elevadores e contagem eletrônica de ocupação via Inteligência Eletrônica. Também, antes da abertura, o Iguatemi cercou suas entradas com tapetes sanitizantes para a desinfecção dos solados de calçados nas entradas, renovou o sistema de ar-condicionado (com a troca de filtros no mínimo duas vezes por mês) e passou a oferecer o uso de pastilhas bactericidas, sempre que necessário, o uso de bandejas, além de automatizar completamente as formas de pagamento dos estacionamentos
Marcelo Miranda, vice-presidente Comercial e de Marketing do Iguatemi Empresa de Shopping Centers, contou à Consumidor Moderno que a empresa já havia começado a estudar, desde o início da pandemia, as melhores práticas para oferecimento do bem-estar aos clientes varejistas, com base em experiências internacionais. “Tudo foi feito com o máximo de cuidado e adotando sempre as recomendações das autoridades de saúde, inclusive no que se refere à questão da capacidade de público.”
Dentre as medidas adotadas pelo Iguatemi São Paulo, segundo Marcelo Miranda, estão: adoção de câmeras termográficas para aferição de temperatura e monitoramento do uso de máscaras com câmeras baseadas em Inteligência Artificial. Ele acredita que o negócio conseguiu se reinventar de uma maneira “muito rápida e segura”, “priorizando a saúde e o bem-estar dos clientes, funcionários e colaboradores”. Os números ainda não apareceram, mas as projeções são otimistas.
Miranda conta que a empresa se preparou também para a mudança de comportamento por parte dos clientes. Os clássicos passeios tranquilos ao shopping foram substituídos por visitas rápidas e diretas, geralmente com o objetivo prévio em mente – conduta que tem sido observada em todas as áreas de varejo físico.

Medidas de proteção para os clientes do shopping Eldorado em São Paulo
Clientes podem se certificar da segurança?
Na entrada do shopping de luxo situado na movimentada Faria Lima, em São Paulo, faz-se visível um longo corredor com faixas organizadoras de filas e tapetes sanitizantes. No fim da passagem, uma grande tela apresenta informações em lista, atualizadas em tempo real, que se assemelham demais aos painéis de horários de chegada e partida de voos em aeroportos.
Esse painel serve para indicar a medição de temperatura de cada pessoa ao entrar no centro comercial. O processo todo leva menos de cinco segundos, desde lavar os calçados até receber a afirmativa de que sua entrada ao shopping é segura.
É realmente uma nova experiência de passeio. Ao chegar no imponente edifício que inaugurou a era dos shoppings em São Paulo, avista-se as câmeras termográficas. A medição é feita na entrada, mas não é permitido ficar no local tempo suficiente para checar os dados apresentados no painel.

O ambiente interno é amplo, com grandes corredores bem-iluminados. Por todos os lados, é possível enxergar orientações de distanciamento social, bem como displays de álcool em gel com mensagens de incentivo à limpeza das mãos. O uso obrigatório de máscaras de proteção é reforçado em todas as esquinas. No Iguatemi, não encontramos nenhum visitante sem o acessório.
Há a promessa de luzes ultravioletas desinfectantes de corrimãos nas escadas rolantes. Se estão lá ou não, não há como tirar a prova devido à natureza invisível do ultravioleta. Frequentar é, como em tudo nessa retomada, uma questão de confiança.
Dentre algumas lojas vastas e totalmente vazias, e outras com cerca de cinco pessoas presentes, a Consumidor Moderno verificou um mix de lojistas particularmente preocupados com o distanciamento e outros mais confiantes em permitir a entrada de múltiplos clientes simultaneamente.
Por fim, os elevadores com suposto sistema de ativação touchless não foram localizados – dos três elevadores acessados pela repórter, nenhum possuía botoneira sem toque. Mas o álcool em gel estava marcando presença dentro de todos eles.

Tapetes sanitizantes e câmeras termográficas são encontrados durante passeio pelo shopping Iguatemi

Cuidados questionáveis
Os shoppings populares ativeram-se ao protocolo legal, mas com nítidas falhas no treinamento. Na entrada principal do shopping Metrô Santa Cruz, os frequentadores são recebidos por um funcionário sentado atrás de um tripé que, no topo, segura uma câmera com sensor infravermelho para a aferição de temperatura corporal a uma distância de, aproximadamente, um metro e meio. E o mesmo acontecia para quem ingressasse por outra entrada menor, ligada à área do metrô de mesmo nome.
A impossibilidade do controle do número de pessoas circulando pelo shopping é nítida. No site do shopping, a brMalls, holding que é dona do empreendimento, diz que opera com uma limitação de 40% da sua capacidade. Porém, no dia da visita, não era difícil visualizar esbarrões entre os frequentadores que passavam pelo andar térreo. Nas mesas dispostas na praça de alimentação, apenas metade das cadeiras estava disponível. E nas escadas rolantes havia uma sinalização para o distanciamento de dois degraus entre as pessoas.

Limpeza no shopping Eldorado em São Paulo
Pouca segurança
No shopping Eldorado, terceiro mais antigo da cidade, a verificação da temperatura por um segurança com um termômetro de infravermelho, em uma distância a menos de um metro, foi a maior expressão de segurança protocolar anti-Covid-19. Durante 40 minutos no shopping, foi possível observar o público, acompanhado das respectivas famílias, usando inadequadamente a máscara (com ela apoiada no queixo) Em uma loja de vestuário no shopping Eldorado, o repórter perguntou a um funcionário se o local higienizava todas as peças tocadas, ao longo do dia, e a resposta foi positiva. O mesmo vendedor acrescentou, porém, que se o repórter desejasse provar um item fora do processo de higienização (que exige a diferença de 72 horas entre uma prova de um cliente e outra) em um dos cantos da loja, para que ninguém soubesse, “tudo bem”.
Lojistas e colaboradores, em ambos os shoppings, usavam máscara, e também havia a disposição de álcool em gel em diferentes áreas dos empreendimentos. Todas as atividades infantis e do cinema foram suspensas nos dois locais também. Por fim, os dois shoppings disponibilizam armários inteligentes para retirar as compras realizadas de forma on-line.

No Morumbi Shopping, as medidas de segurança envolvem distanciamento social, comunicação e disponibilização de álcool em gel, entre outras ações

Distração inusitada
A Consumidor Moderno esteve também no Morumbi Shopping nos primeiros dias da reabertura. O número de entradas foi reduzido e câmeras termográficas devidamente posicionadas, tanto nas entradas de pedestres quanto nas de acesso pelo estacionamento de carros e motos, são observadas durante todo o horário de funcionamento. A ocupação limitada a 40% da capacidade e o distanciamento de 2 metros, entre as mesas nas praças de alimentação, estavam sendo respeitados no momento da reabertura. No entanto, nas duas horas de permanência no interior do local, apenas um funcionário – que limpava o corrimão de uma escada rolante – foi visto realizando algum tipo de assepsia.
No Morumbi, mesas destinadas a uso dividem espaço com outras, interditadas e devidamente sinalizadas. Além disso, é possível visualizar totens de álcool em gel em diversos pontos da praça e demarcações no piso, organizando as filas dos restaurantes. Observamos que, tanto nos corredores do shopping quanto nas escadas rolantes, nos elevadores e nas lojas, não faltam marcadores e avisos espalhados por todos os cantos.

Nas lojas, lembretes do uso do álcool em gel são facilmente encontrados dentro dos espaços; provadores não estão liberados para uso (como contrapartida, é oferecido prazo maior, ou até ilimitado para a troca); e o número máximo de clientes é respeitado.
Mas os protocolos não dão conta de todas as particularidades dos clientes recém-libertos do isolamento. Quiosques centrais aglomeravam compradores e vendedores sem respeitar a distância mínima. O motivo: um filhote de cabra, passeando encoleirado com seus donos orgulhosos o bastante para que todos se esquecessem do distanciamento social e se aglomerassem, a fim de tirar uma foto com o visitante insólito até para uma cena de ficção científica.