CAIO BLINDER
Jornalista e um dos apresentadores do programa Manhattan Connection da GloboNews
AI, JESUS
AI, JESUS
CAIO BLINDER
Jornalista e um dos
apresentadores do programa
Manhattan Connection
da GloboNews
CAIO BLINDER
Jornalista e um dos
apresentadores do programa
Manhattan Connection
da GloboNews
“Comprar um novo carro sempre foi uma via-crúcis e chegara a hora, depois de nove anos”
O casal Blinder não tem uma conexão fervorosa, religiosa ou emocional com o carro. Ele é apenas um objeto de locomoção, que deve ser usado enquanto dá pé, ou seja, até morrer ou bater em gastos mecânicos intoleráveis.
Comprar um novo carro sempre foi uma via-crúcis e chegara a hora, depois de nove anos. Mr. Blinder aproveitou a ida à concessionária Honda para fazer uma chave nova da ignição (imaginem, ela quebrou) e engrenar o contato. Fui conduzido a um vendedor de nome Jesus. E eu logo lembrei que era cliente daquela revendedora há mais de 20 anos. Não morria de amores, mas nunca tivera maiores problemas com o pessoal dali.
É verdade que meses atrás dera as caras devido ao recall de airbag. Na entrega do carro, o funcionário me apresentou uma lista de consertos recomendados que, no fim das contas, não compensava. Não confiei muito no diagnóstico, apesar do meu completo analfabetismo mecânico, mas fui para casa convencido de que era hora de trocar de carro. E lá estava eu.
Tive um papo inicial com Jesus e disse que voltaria. Na saída, o Jesus já quis me converter com uma tentação. Ele garantiu que o chefe dele me reconhecera e que, como cliente veterano, eu teria “alguns milhares de dólares” de desconto. Olhei de forma incrédula para Jesus, mas prometi que voltaria.
Voltei, mas escudado na chefia do estado-maior, a minha mulher, pessoa calejada, boa negociante e que faz pesquisa antes de efetivar a compra. O plano do casal era um downsize de carro, algo menor e mais barato. Optamos pelo HR‑V em vez de outro CR‑V. E o Jesus optou pela maior ladainha para nos convencer que oferecia o melhor preço da paróquia.
Jesus é de origem hispânica e rezei pelos meus instintos. Nada de dar papo em espanhol e mais intimidade. Aliás, falava pouco, curvando-me à minha mulher. Jesus fazia contas de forma furiosa no computador e finalmente imprimiu a proposta. Os “milhares de dólares” de desconto prometidos se converteram em centenas.
Minha mulher queria cair fora, cética sobre a pregação de Jesus. Mas refleti que vendedor de carro segue a mesma religião e que escutaríamos ladainha similar em outra revendedora Honda. A contragosto, minha mulher topou.
A romaria então nos levou ao Departamento Financeiro, no qual não dá para fazer nenhum trocadilho religioso, exceto que foi mais um capítulo infernal. Fomos convencidos a firmar um contrato de uma longa garantia (de oito anos) em vez da habitual de dois anos.
Então, a ficha caiu para a chefe do estado-maior. O desconto de Jesus no preço era uma pedalada. Ele simplesmente removeu da conta a garantia de manutenção já incluída e a tratou como desconto. Ali, no Financeiro, o custo reapareceu. Demos uma chorada e conseguimos um desconto de verdade. Aleluia!
Não roguei praga para Jesus, mas jurei para minha mulher que nunca mais compraremos carro naquela concessionária. Jesus é insistente: por e‑mail e mensagem de texto, ele pede que eu avalie a qualidade do seu atendimento. Não reclamei com o bispo, mas reclamo
com vocês.
“Comprar um novo carro sempre foi uma via-crúcis e chegara a hora, depois de nove anos”