MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
ATIVISMO E
DEMOCRACIA
ATIVISMO E
DEMOCRACIA
ATIVISMO E
DEMOCRACIA
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
“Com o passar dos anos, foi ficando claro que nem sempre interesses privados e interesse público são os mesmos”
A bola de vez é atacar o ativismo. Ele seria responsável por diversas das mazelas atuais da nossa sociedade. Neste discurso, o ativismo seria uma atividade contra-democrática. Ele desrespeitaria a democracia na exata medida em que seria uma forma de contraposição/desrespeito às decisões majoritárias. Exemplificando: se dez pessoas em uma sala fechada fazem uma votação que prejudica fortemente dois dos presentes, a decisão dos outros oito justifica a ação a ser tomada. Se os dois se colocarem ativamente contra a decisão da maioria e fizerem uma campanha para mudar a situação, estariam agindo de forma antidemocrática. É isso mesmo?
Para responder a esta questão é preciso fazer algumas digressões.
A separação de poderes na formulação de Montesquieu é o sistema perfeito. Os poderes de criar o direito (Legislativo), executar o direito (Executivo) e julgar as controvérsias na aplicação do direito (Judiciário) não se confundem e devem ser atribuídos a instituições distintas que se limitam mutualmente. Nesta teoria, a democracia é garantida por eleições gerais de tempos em tempos e o povo teria assento – por meio de representação – na casa de elaboração das leis. A conclusão é clara: as leis são feitas pelo povo e por conta disso são sempre legítimas. Interesse privado e interesse público convergiriam nas leis.
Ocorre que, passados quase 300 anos, a realidade se mostra muito diferente. Apesar de não existir sistema melhor do que a tripartição dos poderes, poucos acreditam que para a democracia se concretizar bastaria a sua implantação. Com o passar dos anos, foi ficando claro que nem sempre interesses privados e interesse público são os mesmos. Dentre outras razões porque os interesses privados são múltiplos e existe uma constante disputa para a formulação do interesse público. E neste jogo político alguns setores da sociedade civil são contemplados e outros não. Faz parte da democracia. Porém, algo de novo surgiu no século 20: a sociedade civil organizada, visando lutar por direitos que acredita essenciais, passa a ir em busca de seus ideais. Ninguém mais acredita que basta eleger representantes a cada quatro anos para garantir a democracia. As eleições são essenciais, mas é preciso muito mais.
Eleger representantes não é mais dar um cheque em branco a ser assinado a cada quatro anos. Os representantes do povo têm contas a prestar e a sociedade civil organizada faz constantes pressões para que o exercício do mandato seja transparente e responsável. As relações estão bem mais fragmentadas e complexas.
É neste quadro que surgiram as organizações civis e o ativismo. Lembremos de exemplos marcantes: sem as pressões da sociedade civil, possivelmente mulheres e negros não teriam uma série de direitos garantidos, entre eles o direito de votar. O ativismo da sociedade civil, ao lado de eleições democráticas, é que garante a vida social pulsando. Foi esta constatação que fez nascer, ao lado dos direitos privados e públicos, o que denominamos como direitos sociais e, mais recentemente, direitos difusos. O Código de Defesa do Consumidor não existiria sem o ativismo das entidades civis.
E a sociedade civil organizada não precisa ser responsável? Claro que sim. E já existem regras limitando sua atuação. A principal delas é o instituto da responsabilidade, seja civil, seja penal. Se linhas de razoabilidade forem ultrapassadas, as instituições têm instrumentos para responsabilizar as entidades civis e seus dirigentes. Mas jamais se pode generalizar e acusar a sociedade civil organizada de contra-democrática. Pelo contrário: o que garante uma sociedade viva é a conjugação de eleições e controle social. O ativismo, como princípio, é uma das formas de garantir a democracia.
Termino com uma citação de Luís Roberto Barroso: “… a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância do poder. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos”.
“Com o passar dos anos, foi ficando claro que nem sempre interesses privados e interesse público são os mesmos”