
Cdc 30+30= esperança, riscos e responsabilidades
Professor da PUC/SP
Nas comemorações dos 30 anos do Código de Defesa do Consumidor, duas perguntas foram frequentemente feitas: Valeu a pena? O que está por vir? Em relação à primeira, a resposta foi praticamente unânime: o CDC conseguiu, ao mesmo tempo, modernizar o Brasil do ponto de vista da economia que se abria ao mundo no início da década de 90 e foi um estatuto da cidadania no sentido de mostrar às pessoas que valia a pena sair da letargia e lutar pelo exercício de direitos. Valeu muito a pena! A esperança foi atendida. A outra pergunta exige na resposta uma certa análise profética e de riscos. Vamos a ela.
O que está por vir nos próximos 30 anos? É possível pensar em três camadas distintas: agora, em médio e em longo prazo.
Os riscos atuais são totais: a defesa do consumidor sofre ataques como nunca ocorreu. Sob a ideia da defesa da livre iniciativa propugna-se uma Declaração de Direitos de Liberdade Econômica como se proteger os consumidores fosse uma ideia de esquerdistas. Voltamos ao momento anterior à promulgação do CDC quando um grande jornal de circulação nacional fez um editorial denominado Terrorismo Jurídico. Os 30 anos provaram que o jornal estava equivocado. É importante fixar uma ideia: a defesa do consumidor só existe nos países de livre mercado e é mais do que natural defender que esta liberdade, como qualquer outra, tem como limite o respeito ao direito dos outros e de todos. A liberdade de mercado pressupõe regras éticas de comportamento, sob pena de um retorno civilizatório a um Estado Natural hobbesiano, no qual o que valeria é tão somente a lei do mais forte.
Em médio prazo, o CDC precisa de algumas atualizações sob risco de não regulamentar novos aspectos das relações de consumo: comércio eletrônico, superendividamento, privacidade, proteção das crianças no mundo digital e consumo sustentável são alguns exemplos de temas que merecem cuidados especiais. Alguns deles já estão bem encaminhados – em especial, a regulamentação do superendividamento – cabendo a todos enfrentar estes novos tempos. São dois os maiores riscos: conseguir atualizar o CDC sem desnaturá-lo enquanto uma lei sistemática e principiológica; e impedir o bonde dos retrocessos que circula no Congresso Nacional. Ousadia calculada: a história recente nos mostra que cautela e caldo de galinha são muitas vezes um bom norte para nossas ações, mas sem esquecer a ousadia.
E o futuro? Hans Jonas, no seu livro Princípio Responsabilidade, faz uma forte pergunta: que força deve ter o futuro no presente? Este questionamento é que devemos nos fazer para pensar nos próximos 30 anos da defesa dos consumidores e nossas ações atuais devem ser dirigidas por esta visão em longo prazo. Mas, para que a resposta não seja meramente profética, nosso presente deve ser guiado por um projeto de futuro. Se queremos uma sociedade mais justa que garanta os direitos da cidadania, que trace limites a comportamentos contrários a um projeto civilizatório, que pense no ser humano com dignidade, que tenha como finalidade última a solidariedade geracional, é es-
sencial compreender que a defesa do consumidor deve ser colocada no contexto geral da defesa de uma cidadania planetária justa e equilibrada.
Valeram a pena estes 30 anos? Sim, nossas esperanças foram atendidas. Corremos riscos imediatos? Sim e graves. Temos a responsabilidade de construir um futuro que continue valendo a pena? Sim, e a responsabilidade é de cada um de nós.