Como voltaremos a circular pelas cidades no pós-crise?
Setor de transportes foi um dos mais impactados pela pandemia da COVID-19 e se reinventa diante da crise financeira e das novas demandas dos consumidores
A pandemia do novo coronavírus afetou diversos setores da economia, causando uma crise global sem precedentes. As orientações de isolamento social transformaram os maiores centros urbanos do mundo em cidades-fantasma, impactando diretamente o setor de transportes. Agora, com a retomada gradual das atividades presenciais, surge a questão: como vamos circular por aí?
Dependência do carro no mundo pós-pandemia
A dependência do carro sempre foi um desafio para o Brasil, já que a maioria das nossas cidades foi construída em torno dos automóveis. Antes da pandemia, começávamos a caminhar rumo a uma sociedade mais consciente sobre a importância de se buscar meios alternativos de transporte, mas tudo indica que, pelo menos por enquanto, essa mudança de comportamento deve pisar no freio.
Em busca de alternativas para evitar aglomerações, quem já tinha carro, mas o mantinha na garagem a maior parte do tempo, tem dado preferência a esse meio de transporte. Quem não tinha, passou a considerar a possibilidade. “Neste primeiro momento, está havendo uma reversão de tendência. Antes da pandemia, cada vez menos jovens queriam ter carros individuais. Hoje, eles passaram a ter o veículo como objeto de desejo. Então, por enquanto, haverá um mercado maior de vendas de carros novos e usados. Depois, pode ser que haja uma nova mudança e que a gente volte à tendência antiga, por exemplo, se sair a vacina, ou se a própria situação do transporte público melhorar, e as pessoas voltarem a sentir segurança de usá-lo”, acredita o coordenador da FGV Transportes, Marcus Quintella.
A indústria automotiva já está sentindo essa mudança no comportamento do consumidor. Depois de serem duramente atingidas pela crise, as montadoras ao redor do mundo começam a sinalizar uma recuperação. Em julho, as vendas de veículos novos no Brasil aumentaram pelo terceiro mês consecutivo, depois da queda recorde registrada em abril. A alta foi puxada, principalmente, pelo segmento de SUVs compactos, que registrou crescimento de quase 5,5%, na comparação com o mesmo período do ano passado, contra uma retração de praticamente 30% do mercado como um todo.
Pela primeira vez na história da indústria automotiva no Brasil, um SUV ocupou a liderança como modelo mais vendido do mês: VW T‑Cross. A linha 2021 do modelo chegou às concessionárias em agosto, equipada com a inovadora central de infotainment VW Play. Totalmente desenvolvido no Brasil, o VW Play será item de série no T‑Cross em todas as versões. “Este modelo atende perfeitamente às famílias por seus atributos, além de ser o único no mercado brasileiro a proporcionar elevado prazer ao volante em todas as configurações, mesclando conforto e esportividade sem abrir mão da eficiência energética, respeitando o meio ambiente e o bolso do consumidor”, diz o vice-presidente de Vendas e Marketing da Volkswagen Brasil, Gustavo Schmidt.
O Chevrolet Tracker foi o segundo SUV mais vendido no período e, desde abril, é líder no segmento de SUVs compactos com uma participação média de 20% nas vendas no varejo. Hermann Mahnke, que é diretor-executivo de Marketing da GM América do Sul, diz que o modelo foi completamente atualizado para entregar o que o consumidor mais valoriza atualmente. “Seu novo conjunto antecipou tendências em design, segurança, conforto, conectividade e desempenho. O modelo traz porte de SUV de verdade e oferece tecnologias que tornam o dia a dia bem mais prático e seguro, como o Wi-Fi e o alerta de colisão com sistema de frenagem autônoma de emergência.”

T‑Cross foi o primeiro SUV na história da indústria automotiva do Brasil a ocupar a liderança de vendas em um mês
A busca por carros maiores e mais confortáveis neste momento também se explica, em parte, pelo receio ou pela impossibilidade de se realizar viagens de avião. “As pessoas vieram até a empresa para trocar de carro. Tivemos, inclusive, um cliente que veio buscar um carro maior, com mais segurança e conforto para fazer uma viagem que faria de avião”, conta Jessé Bragagnoli, consultor e especialista em Mercado Automotivo da Mark’s Veículos.
De olho nesse mercado, a VW já lançou, além do T‑Cross, o Tiguan e o Nivus, e deve lançar mais novidades em breve. Apesar do aumento gradual nas vendas nos últimos meses, a indústria automotiva ainda deve levar um bom tempo para se recuperar, de fato, da crise causada pela pandemia. “O volume de vendas ainda está muito abaixo do patamar do ano passado, mas é uma tendência de mercado o consumidor buscar por mais segurança e praticidade”, diz Schmidt. “O mês de abril foi o pior e, muito lentamente, as vendas vêm aumentando mês a mês. Porém, estimamos que, para retornarmos aos patamares de 2019, levará cerca de cinco anos”, complementa Mahnke.

Tracker foi totalmente atualizado
O QUE ESPERAR
Bragagnoli acredita que, até a “curva do medo” desacelerar, quem puder vai evitar os meios de transporte público, incluindo o avião. “Carros, motos e bicicletas vão continuar ganhando espaço, mas acho que é questão de tempo para termos uma normalidade de volta”, diz.
Para Quintella, em breve, a população vai começar a perceber os malefícios causados pelo aumento do número de veículos individuais nas ruas. “As pessoas vão sofrer com os engarrafamentos, a insegurança, o estresse, o consumo energético e o custo do transporte. Tudo isso pode, mais adiante, trazer uma reversão desse quadro”, aposta.
O especialista da FGV acredita ainda que, diante desse cenário, a tecnologia pode se tornar uma aliada ainda mais poderosa no gerenciamento do tráfego, ajudando a controlar a semaforização e a circulação pelas vias urbanas, por exemplo. Em relação ao transporte de massa, Quintella não prevê grandes transformações. “Ainda que haja uma redução de 30% ou 40% da demanda, o distanciamento social será comprometido, como é em qualquer lugar do mundo. Por mais oferta de transporte que você coloque, você sempre estará em uma situação de pouco distanciamento social.”
Por isso, ele diz que será preciso redobrar os cuidados com a higienização e investir em campanhas permanentes de educação, que incentivem as pessoas a usar máscaras e a higienizar as mãos frequentemente, por exemplo. Antes de tudo, no entanto, para que as pessoas se sintam estimuladas a usar o transporte público, é necessário elevar o nível dos serviços oferecidos atualmente. “Eu só posso incentivar o uso do transporte público se oferecer um serviço de qualidade, que seja seguro, abrangente e integrado. O transporte público só será atrativo quando mostrar mais qualidade do que tem hoje”, conclui.
BUSCA POR MEIOS MAIS SEGUROS
A queda nas operações e no uso do transporte público, obviamente, já era esperada. No início da pandemia, o motivo era claro: uma parcela significativa da população passou a trabalhar de casa – ou a não trabalhar. À medida que o mundo volta ao “normal”, no entanto, uma outra tendência passa a ser observada: a busca por meios de transporte alternativos, que fazem as pessoas se sentirem menos vulneráveis a infecções pela COVID-19.
Esse movimento foi bastante expressivo nos primeiros países que começaram a retomar as suas atividades econômicas, e está se repetindo no Brasil. Entre 15 de junho e 15 de julho, por exemplo, as vendas de bicicletas no País registraram um aumento de 118%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados são da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), que ouviu mais de 40 empresas associadas à entidade. Em relação ao período anterior (de 15 de maio a 15 de junho), o aumento nas vendas de bicicletas foi de 19%.
A procura por meios de transporte alternativos vinha em uma crescente mesmo antes da pandemia, e os comerciantes que já estavam se adequando a esse novo perfil de consumidor saíram na frente da concorrência neste momento, com a alta na demanda. Foi o que aconteceu com a Mark’s Veículos, concessionária de Barretos, no interior de São Paulo. No início do ano, a empresa implantou um setor especializado em veículos elétricos, como patinetes, bicicletas, motos e carros, e tem observado um crescimento expressivo das vendas nos últimos meses. “As pessoas que andavam de transporte público ou Uber vieram atrás dessas alternativas, que muitas vezes nem exigem CNH. Com o custo que se teria de ônibus, cerca de R$ 10 por dia, por exemplo, é possível pagar a parcela de uma bike elétrica, então é muito vantajoso”, diz Bragagnoli, da Mark’s.
O NOVO TRÂNSITO
AVIÕES REDESENHADOS
A italiana Aviointeriors criou novos assentos de avião para combater a propagação do novo coronavírus durante os voos. O Janus é um assento tipo “namoradeira”, o qual permite que três passageiros sejam isolados e separados por um escudo transparente. A segunda opção é um kit chamado Glassafe, o qual não exige que o interior do avião seja modificado.

BICICLETAS AUTOLIMPANTES
A Wheels, empresa americana de aluguel de bicicletas, está disponibilizando bikes equipadas com a tecnologia NanoSeptic. Presente no guidão e nos freios, a tecnologia é alimentada pela luz e utiliza nanocristais minerais para criar uma forte reação de oxidação e, assim, manter limpas essas partes da bicicleta.

ÔNIBUS INTELIGENTES
A startup britânica Arrival lançou ônibus elétricos que ajudam a manter o distanciamento social. Os passageiros são separados por escudos de acrílico e podem solicitar uma parada ao motorista através de campainhas sem toque ou de seus smartphones. A capacidade máxima é de 125 passageiros, mas os assentos podem ser reconfigurados para garantir que a distância seja respeitada.
