CAIO BLINDER
Jornalista e um dos apresentadores do programa Manhattan Connection da GloboNews
CORDÃO
UMBILICAL
CORDÃO
UMBILICAL
CORDÃO
UMBILICAL
CAIO BLINDER
Jornalista e um dos
apresentadores do programa
Manhattan Connection
da GloboNews
CAIO BLINDER
Jornalista e um dos
apresentadores do programa
Manhattan Connection
da GloboNews
“Com a partida do seu Pedro (meu pai partiu há 15 anos), os cortes do meu cordão umbilical com São Paulo são cada vez mais profundos”
Aprendi em termos técnicos o significado de fidelização escrevendo e lendo para a Consumidor Moderno. Há o marketing impulsionado pelas empresas para nos segurar, estilo empresas aéreas (e confesso que meu plano de voo é cada vez mais infiel) e existe a fidelização natural, aquela que nos faz ficar na cadeira (e não no assento do avião) porque simplesmente queremos.
Uma dessas cadeiras era a do seu Pedro (Pedro Coutinho). Em abril, ele decolou do nosso mundo, dois meses antes de completar 104 anos. Seu Pedro era o meu barbeiro no Salão Ideal, na Avenida Angélica, em São Paulo. Já falei sobre ele aqui na coluna. Vários clientes comentaram a partida do seu Pedro nas redes sociais, entre eles, um grande e veterano jornalista, o Dias Lopes.
Seu Pedro era o barbeiro mais antigo do Brasil no ofício. O plano do Dias Lopes era levá-lo para o Guinness, quem sabe pelo recorde mundial. Seu Pedro começou a trabalhar no Salão Ideal em 1955, dois anos antes do meu nascimento. Largou a tesoura e a navalha no fim de 2017 e até o fim era afável e seríssimo no ofício. Eu frequentava menos o salão, pois minhas viagens ao Brasil, embora frequentes, são cada vez mais curtas.
Seu Pedro estava ansioso com a perda dos clientes tradicionais e, no caso, a perda era literal. Ele sobreviveu a tantas, cercado por seus fiéis mosqueteiros (Carlos, também barbeiro, e a manicure Amélia). Ali, no salão, era sempre fácil reencontrar velhos amigos ou fazer novos. O papo corria solto, de política a futebol e de futebol a política.
Eu comecei a frequentar salão há uns 40 anos. E por que a fidelidade? Não apenas para cortar cabelo com um gentleman num ambiente aconchegante, mas para não cortar meu cordão umbilical com minha terra natal, São Paulo, da qual parti há 30 anos para viver nos EUA.
Quando meu pai estava vivo, ele fazia questão de um ritual: me pegar no aeroporto no sábado, passar comigo, despistando minha mãe, na Padaria Aracaju, também em Higienópolis, para se empanturrar de porcarias e, na sequência, dar uma chegada no Salão Ideal. Era um programa ideal.
Com a partida do seu Pedro (meu pai partiu há 15 anos), os cortes do meu cordão umbilical com São Paulo são cada vez mais profundos. Confesso ser menos fiel à Padaria Aracaju pela comodidade do Bologna (rua Augusta) a uma quadra da base na Consolação, mas a traição é pouco passional. Tenho uma história de 50 anos com o Bologna, mas o novo não tem o charme do antigo e decadente. E, que decadência, ali naquela esquina, suja e sórdida.
Estive recentemente em São Paulo, a jato, para o aniversário da minha mãe e curiosamente fiz uma viagem nostálgica para um ponto ainda mais remoto do meu passado. Estive na pizzaria Monte Verde, no Bom Retiro. O dono, o Godoy, um velho conhecido, sentou-se à mesa e conversamos sobre o bairro e a velha São Paulo, enquanto eu traía o meu regime.
As duas filhas do Godoy já vivem no exterior (uma na Inglaterra e a outra na Nova Zelândia). Será difícil passar a Monte Verde para uma nova geração. Enquanto der, eu manterei uma fatia de fidelidade na pizzaria da minha infância.
“Com a partida do seu Pedro (meu pai partiu há 15 anos), os cortes do meu cordão umbilical com São Paulo são cada vez mais profundos”