EMPRESARISMO: O BRASIL PRECISA DE MAIS EMPRESÁRIOS
A ONDA DE STARTUPS PELO MUNDO ESTÁ DEIXANDO DE LADO A IMPORTÂNCIA DA CONCRETIZAÇÃO DE MODELOS DE NEGÓCIOS PERENES, QUE DESENVOLVAM A SOCIEDADE, PARA FOCAREM APENAS CRESCIMENTO ACELERADO EM VEZ DE FUNDAMENTOS SÓLIDOS DE NEGÓCIO
POR ÉRIC VISINTAINER
alta de lucro antes da abertura da IPO (“Initial Public Offering” ou Oferta Pública Inicial) na Bolsa de Valores, novas tecnologias vistas como a Nova Economia e crescimento ilimitado. Estas características parecem familiares? Este cenário foi visto primeiro no fim da década de 90, quando ocasionou a Bolha da Internet. Como consequência, muitas empresas faliram no início do século. Porém, esta tríade está de volta.
Isso acontece porque muitas startups atualmente possuem as mesmas características. Estaríamos vendo o crescimento de uma Bolha das Startups, por conta da especulação da valorização destas novas empresas, de financiamentos privados grandiosos, como os do fundo japonês SoftBank, e uma expectativa de crescimento para estas companhias que pode não acontecer pela incerteza dos seus modelos de negócios?
Empresas como Uber, Slack e WeWork, todas investidas pelo SoftBank, abriram capital na Bolsa de Valores norte-americana mesmo antes de gerarem lucro. E, de acordo com um estudo recente da Universidade da Flórida, 81% das 134 IPOs feitas, no ano passado, nos Estados Unidos foram de empresas que tiveram prejuízo nos 12 meses anteriores à abertura do capital. Este cenário também ocorreu no ano da Bolha da Internet. Normalmente, as novas rodadas de investimento milionárias são utilizadas pelas startups para pagarem despesas e continuarem com o pé fundo no acelerador do crescimento, para tomar a liderança global dos mercados nos quais atuam, sem pensar na sustentabilidade financeira e no desenvolvimento dos ecossistemas nos quais estão inseridas.
Para o consultor em venture capital João Gabriel Chebante, a atual liquidez do mercado e a baixa taxa de juros são similares ao período na virada do século 21, porém ele não acredita em uma bolha global. No entanto, a visão dele difere quando o foco é o Brasil. “As premissas estão aí, com as histórias da Uber e da WeWork. Estas histórias malsucedidas evitam a hecatombe dos anos 2000. No Brasil, o investidor não tem maturidade. Ele pensa: ‘Quero aumentar meu 1 milhão para 10 milhões’. Não temos a cultura da análise de uma startup, enquanto isso acontece há 50 anos nos Estados Unidos”, explicou à Consumidor Moderno.
Após o caso da queda drástica no valor de mercado da WeWork em setembro deste ano, quando ele passou de US$ 47 bilhões para menos de US$ 10 bilhões, segundo a rede norte-americana CNBC, decidimos ir a fundo na Consumidor Moderno para entender este novo mundo, no qual Paul Collier, economista britânico e professor da Universidade de Oxford, descreve em seu livro “O Futuro do Capitalismo” que as empresas não se sentem mais responsáveis pelos colaboradores ou pelas comunidades com os quais operam. “Todo mundo começou a falar para entender a estrutura de fazer um breakeven. Um segundo aspecto é trazer um pouco de luz para business que são diferentes do venture capital típico, que é de pouco investimento, e a WeWork é superintensiva em investimento e não consegue aterrissar sem o aporte, diferentemente de uma empresa de software”, disse Rodrigo Baer, partner na Redpoint eventures. “Sempre olhamos com um grau de preocupação, foi a materialização de um risco de poderia acontecer.”
As empresas, como as já citadas, chegaram a um ponto de serem grandes demais para falirem? Este não é o caso na visão do consultor de venture capital. “Existem outras grandes empresas no mercado que têm coworkings ao redor do mundo, se a WeWork quebrar. Mas o Google é too big to fail, uma vez que sete a cada dez buscas no mundo acontecem através do buscador”.
Com isso em mente, não seria o caso de estas empresas da nova economia buscarem solidez no negócio em vez do crescimento acelerado? Além disso, não haveria uma perda no real sentido da inovação disruptiva – quando é gerado um novo mercado e a sociedade prospera com uma solução mais simples, barata e que atende um público antes excluído, segundo Clayton Christensen – em troca da velocidade de tração?
O QUE É EMPRESARISMO
A terminologia é um contraponto ao movimento do empreendedorismo. O Empresarismo é um resgate do benefício de ser um virtuoso empresário. Em uma sociedade madura, que se desenvolverá, ele está ancorado em um alto grau de empreendedorismo. Quanto mais condições de mercado macroeconômico, liberdade, acesso ao capital e talentos, mais a médio prazo produzirá recursos.
Para pensar em um contraponto ao cenário atual, fomos compreender o Empresarismo, que se propõe como um empreendedorismo focado na durabilidade de um negócio e na evolução da sociedade, de acionistas, do mercado, dos clientes e dos funcionários.
Na visão de Daniel Domeneghetti, especialista em estratégia corporativa e CEO da DOM Strategy Partners, as startups não têm o propósito da perenidade. Conheça mais detalhes abaixo sobre o termo:
O BRASIL PRECISA DE MAIS EMPRESÁRIOS OU EMPREENDEDORES?
Domeneghetti explica que hoje há um imaginário social de que o empresário “pratica esquisitices e quer se pendurar no Estado” e, em contrapartida, o novo empreendedor “vem com uma casca de inovador e de ser cool”. Para ele, o empresário deveria ser o futuro do empreendedor.
Com o intuito de compreender os comportamentos de empresários e empreendedores no nosso País, conversamos com o doutor em antropologia do consumo Michel Alcoforado. Ele alerta para os problemas sociais que as startups podem causar nos novos empreendedores. “Entendo o hype e a reinvenção do trabalho, porém não podemos nos enfeitiçar pelos cantos da sereia do mercado”, disse. “Alguém precisa pegar na mão (dos empreendedores) e dizer que há um custo. Isso não está sendo contado”, complementa.
A seguir, pontuamos as diferenças entre Empresarismo e Empreendedorismo:
iFood: adquirido pela holding Movile em 2013, hoje a empresa registra 21,5 milhões de pedidos
AMADURECIMENTO DO EMPREENDEDOR BRASILEIRO
Atualmente, as startups no Brasil são mais de 12 mil, de acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups). E elas receberam cerca de US$ 1 bilhão em investimentos no último ano, segundo um estudo da consultoria McKinsey. Do outro lado, existem pouco mais de 5 milhões de empresas tradicionais no Brasil, como mostram as estatísticas de 2017 do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além disso, o número de empreendedores brasileiros chegou ao seu segundo maior patamar na média histórica, como mostra o estudo Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Em 2018, aproximadamente 52 milhões de pessoas, entre 18 e 64 anos, no País possuíam um negócio próprio. O estudo também mostra que a Taxa de Empreendedores Estabelecidos (TEE) bateu o número recorde de 2014, passando de 17,5% para 20,2%. Este número também foi superior ao da Taxa de Empreendedores Iniciais (TEA), segundo o estudo GEM. Outro dado importante é que, a maioria dos novos negócios ocorreu por uma oportunidade de mercado em vez da necessidade dos empreendedores.
João Kepler, empreendedor que investe em startups desde 2018, também identificou esta evolução no perfil do empreendedor brasileiro e indica como os novos negócios podem se tornar mais perenes. “O empreendedor precisa aprender que não é o mais rápido que cresce”, disse. “Então, é preciso aprendizagem contínua em controle, organização, processo, mentoria e compliance”, explicou Kepler.
“NÃO ADIANTA SÓ VOCÊ TER UM BOM PRODUTO E ASSIM FAZER ESTE PRODUTO CHEGAR ONDE TEM QUE CHEGAR. ÀS VEZES, FALTA UM MODELO DE GESTÃO PARA VIABILIZAR O NEGÓCIO”
MONICA HERRERO, CEO DA STEFANINI NO BRASIL
Smart Fit: presidente do Grupo, Edgard Corona, diz que o segredo para criar negócios de sucesso é focar o cliente
AS STARTUPS QUE EVOLUÍRAM PARA EMPRESAS SÓLIDAS
Também faz parte da teoria do Empresarismo o aumento da concorrência e o desenvolvimento do ecossistema empresarial. Um exemplo de startup que evoluiu para uma empresa é o iFood. Parte da holding do Grupo Movile, a empresa acirrou a competitividade no setor de delivery de comida e inovou ao disponibilizar um marketplace para clientes e restaurantes.
Criado em 2011, o iFood está presente em 882 cidades e registra 21,5 milhões de pedidos por mês, de acordo com dados da própria empresa. “Como líder do setor, temos um papel importante e uma responsabilidade de capitanear a implementação de iniciativas que geram mais valor para todas as pontas do ecossistema (consumidores, restaurantes e parceiros de entrega) e, no fim, melhorar a vida e impulsionar o empreendedorismo entre milhões de brasileiros”, explicou Jason Oh, diretor de Estratégia e Novos Negócios do iFood.
Outra iniciativa foi a Smart Fit. Desenvolvida em 2009 pelo também fundador do Grupo Bio Ritmo, Edgard Corona, ela mudou o jogo de domínio das pequenas academias de bairro, que ofereciam valores mais acessíveis em comparação com as salas de ginástica de rede, e passou a democratizar o fitness de alto padrão. Hoje, a Smart Fit conta com mais de 700 unidades na América Latina.
Mas como se faz para desenvolver diversas empresas de sucesso? Corona aponta para uma regra de ouro que qualquer empresário, o qual queira manter seu negócio, precisa pensar. “Precisamos entender que existem diversas experiências sobre o seu negócio que estão acontecendo exatamente neste momento ao redor do planeta. Há sempre o que aprender de novo e é importante focar os negócios na experiência no cliente”, contou o CEO e fundador do Grupo Smart Fit. Ele também vê de forma positiva as reformas propostas pelo atual governo como iniciativas que vão ajudar o empreendedor “a conseguir competir com outros mercados mais fortes e consolidados”.
Logo, há uma necessidade de se ter um ecossistema de mescla e aprendizagem mútua entre o empresário, com a visão e o conhecimento de gestão eficiente, e o espírito inovador do empreendedor. Além disso, com a economia brasileira retomando o seu crescimento, ainda mais investimentos vão ocorrer em startups por conta da queda da Selic no País. Mas é importante lembrar, como apontam economistas, que este também é um investimento de risco.
Para a CEO da Stefanini no Brasil, Monica Herrero, o empreendedor que queira alcançar o patamar do Empresarismo deve ter bastante determinação, porque os obstáculos vão aparecer, e desenvolver o conhecimento em gestão e administração. “Não adianta você ter um bom produto e só fazê-lo chegar ao seu destino. Às vezes, falta um modelo de gestão para viabilizar o negócio. Este empreendedor não terá a experiência, por isso precisa buscar o conhecimento”, aconselhou.