A frase geralmente atribuída a Platão, a qual afirma que “a necessidade é a mãe da inovação”, descreve bem o espírito de Anifa Mvuemba, fundadora e diretora criativa da marca de moda Hanifa. A empreendedora de 29 anos estava prestes a estrear seu primeiro desfile na edição 2020 da Semana de Moda de Nova York, uma das passarelas mais famosas do mundo, após meses de planejamento, investimento e muito trabalho. E, então, veio a pandemia e cancelou a realização desse sonho…
Diante disso, em maio último, Anifa apresentou ao mundo, ao vivo, por meio do Instagram da marca, um surpreendente desfile em 3D, em que suas criações eram vestidas por modelos invisíveis na passarela digital. Além do efeito visual hipnotizante que surpreendeu os milhares de seguidores, Anifa fez questão de evidenciar, no ambiente virtual, algo que já era marca registrada nas peças que estavam nos armários de suas consumidoras: roupas para mulheres reais, que usam e abusam das cores vibrantes e do elegante movimento dos diferentes tecidos, para abraçar e exaltar as características únicas de seus corpos.
Filha de congoleses que imigraram para os Estados Unidos quando ela ainda era pequena, Mvuemba se inspirou no país de suas raízes para criar a coleção intitulada “Pink Label Congo”. As cores da bandeira nacional, as curvas do Rio Congo e o azul do céu estão presentes nas peças. No entanto, o propósito em utilizar a nação como tema não se resumiu apenas à estética. Com a coleção, a marca Hanifa se posicionou como ativista em relação aos graves conflitos, às condições desumanas e à desigualdade social gerada pela exploração do coltan (minério raro utilizado em praticamente todos os eletrônicos atuais e com 80% das reservas do planeta localizadas na República Democrática do Congo).
Se há algo incontestável após a pandemia da COVID-19 é a interdependência entre todos nós. A ação de uma fábrica na China, a decisão de um governante nos Estados Unidos ou acordos comerciais com mineradores na África afetam cada cidadão global, onde quer que ele ou ela estejam. Ou seja, somos todos parte do problema e responsáveis por soluções.
Por um lado, para Anifa, sua marca é sua voz e expressão, sua entrega de valor para a sociedade. É o combustível que sustenta sua motivação e obstinação diante de cada obstáculo. Por outro, para o mundo, quando ela nos provoca a refletir sobre a mineração no Congo, fica evidente a relação de causa e efeito entre os celulares que carregamos diariamente e o sofrimento de famílias no continente vizinho.
A inovação tecnológica apresentada por Anifa foi apenas mais uma de suas ideias concretizadas para traçar o seu próprio caminho na indústria da moda. A designer, que não frequentou uma escola de moda nem fez estágios em grifes internacionais, sempre utilizou as mídias sociais para construir o negócio, que nasceu totalmente digital e com vendas diretas ao consumidor que geraram US$ 1 milhão em 2019.
Enquanto as grandes marcas da indústria fashion oferecem soluções desconexas ou duvidosas, ou ainda buscam formas de se posicionar sem o aparato do antigo sistema vigente, Hanifa mudou as regras do jogo.