MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
O FUTURO ESTÁ
MUITO LONGE?
O FUTURO ESTÁ
MUITO LONGE?
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
MARCELO GOMES SODRÉ
Professor da PUC/SP
“O que me assusta é a falta de tempo para entender este futuro no presente”
O cineasta espanhol Luis Buñuel, falecido em 1983, terminou sua autobiografia – “O meu último suspiro” – perguntando se morrer era um problema muito grave. Nunca me esqueci da sua resposta: já vivi bastante, tive uma vida maravilhosa e morrer faz parte do viver. Mas no fim do livro Buñuel fez um pedido: gostaria de acordar a cada dez anos, dar uma olhada nas novidades do mundo, ler um jornal (provavelmente saboreando um dry martini bem seco) e depois dormir por mais um novo período. O que nunca me esqueci ao ler Buñuel foi sua curiosidade com o futuro.
O filósofo francês Louis Althusser, falecido em 1990, após atacar e matar sua esposa, ao sofrer um ataque psicótico, escreveu sua biografia, uma das maiores autoimolações da história e a denominou: “O futuro dura muito tempo”. Continuar vivendo era muito difícil e nem o futuro o tranquilizava. Pelo contrário: como um bom intelectual materialista, já vivia seu trágico e finito futuro pessoal. O que nunca me esqueci ao ler Althusser foi como a responsabilidade pelos atos presentes já traz junto o futuro.
Para Einstein, como descrito em carta de 1955, a distinção entre passado, presente e futuro é só uma ilusão, ainda que persistente. O tempo não é um abstrato, mas um lugar; e caminhamos sem parar juntos neste espaço à velocidade da luz. Vivemos em um trem invisível – tempo/espaço – que anda muito rápido e ainda andamos dentro desse trem (em uma velocidade muito lenta). Mas, se potencializarmos esta velocidade, poderíamos caminhar mais rapidamente para o futuro. Assim, duas pessoas que se encontram podem estar vivendo em tempos diferentes: uma mais no futuro do que a outra. Confuso? Muito. O que nunca me esqueci ao ler Einstein foi a discussão sobre a existência, ou não, de livre arbítrio humano num universo que não distingue passado, presente e futuro.
Hans Jonas, filósofo alemão falecido em 1993, fundava toda a sua teoria a respeito das nossas responsabilidades civilizatórias a partir de uma pergunta: Que força a ideia de futuro deve ter no modo como vivemos no presente? Ou seja, o presente tem responsabilidades perante o futuro? O que nunca me esqueci ao ler Jonas foi a chamada à responsabilidade perante quem ainda não nasceu.
Quais são as minhas questões sobre o futuro? Bem mais banais, mas talvez centrais na nossa vida atual. Minha pergunta poderia ser assim formulada (talvez estas dúvidas só possam ser feitas por alguém com mais de 60 anos): Quanto de futuro já existe no presente?
Quando vejo o mundo atual comemorando o fim da privacidade, substituindo o fazer humano pela Inteligência Artificial, buscando a felicidade por meio de químicos e mutações genéticas, empilhando lixo/luxo sem preocupação, vejo o futuro no presente. O futuro está muito longe? Não. O futuro está aqui. Para o bem e para o mal. E o que me assusta é a falta de tempo para entender este futuro no presente. A civilização não tem tido forças para parar e refletir sobre si mesma. A necessidade de eficiência substituiu a necessidade de responsabilidade. O fato consumado substituiu um pensamento profundo.
Um bom caminho é reformular a pergunta feita inicialmente, que agora pode ser assim: Estamos preparados para este futuro no presente? Na maioria das vezes, acredito que não. Somos perplexas testemunhas. Meros viajantes no banco de trás da nave mãe. Sem instrumentos para operar. Perceber isso já pode ser um bom começo.
“O que me assusta é a falta de tempo para entender este futuro no presente”