
O PÓS-CONSUMIDOR VENCEU
POR ROBERTO MEIR
O País acaba de virar uma das páginas mais intensas de sua história. Depois de atravessar uma recessão escandalosa de três anos seguidos por mais dois anos de incerteza, volatilidade e insegurança, que culminaram em um processo eleitoral polarizado e atribulado, é hora de demonstrar altivez e serenidade.
Vimos a eleição a presidente de um candidato sem coligações fortes, sem tempo de televisão, com recursos modestíssimos para campanha, que foi vítima de atentado e, ainda assim, dilapidou todas as premissas que fundamentavam o processo eleitoral no Brasil. É possível afirmar que Jair Bolsonaro representou a afirmação definitiva de uma nova maneira de aglutinar interesses, mobilizar pessoas e engajar corações e mentes. Em boa medida, sua eleição é a afirmação do poder do pós-consumidor.
Quando lançamos essa tendência – pioneira no mundo – oficialmente no CONAREC 2018 há dois meses, após um ano de estudos, tínhamos a convicção de que estávamos diante de um movimento novo e inédito. Essa visão se baseava nas premissas de que pessoas de diferentes gerações e perfis se aglutinavam em torno de características comuns, como a necessidade de viver a maturidade sem as dores da maioridade, a impaciência com a burocracia, a intolerância com a perda de tempo desnecessária, a insatisfação com padrões preestabelecidos, a demanda por transparência nos relacionamentos e interações e a capacidade de mobilização sem precedentes.
Vimos uma demonstração dessa força na greve dos caminhoneiros em maio, que paralisou o País e alijou do PIB mais de R$ 100 bilhões. E vimos novamente na grande onda que desconstruiu partidos e verdades tradicionais nas eleições de outubro – erroneamente apontada como “conservadora”. O que vimos foi, na verdade, o triunfo do homem comum, a insurgência dos cidadãos contra um estado de coisas que teria levado a nação ao descontrole e a um caminho sem volta de crescimento medíocre, de injustiça, de corrupção sancionada pelo Estado e de privilégios incompatíveis com a realidade. O movimento do pós-consumidor que elegeu Bolsonaro foi uma reação em busca do resgate de valores simples, que foram vistos como mais urgentes do que as supostas agendas minoritárias: emprego, ética, disciplina, religião, família, segurança, educação, respeito à propriedade, à lei, ordem, racionalidade econômica, meritocracia, competitividade.
Estes conceitos são as bases de nações prósperas e em nada significam supressão de direitos civis. O fato é que o conflito de agendas impunha, no olhar dos cidadãos comuns, um privilégio excessivo a grupos barulhentos e que se identificavam como oprimidos em detrimento de questões que afligiam a maioria da população. Uma lição extremamente valiosa para as empresas e o mercado foi o custo de aquisição de eleitores (clientes, não prospects ou leads) pelo presidente eleito, em torno de R$ 0,06 por voto. Um feito extraordinário que se contrapõe ao jeito antigo de “conquistar clientes” da concorrência (e da absoluta maioria das empresas em contraponto ao jeito Amazon de engajar seus consumidores!).
“Em um mundo no qual nos submetemos ao tribunal diário das redes sociais, com o juízo implacável de “curtir” “não curtir” proposto pelo ambiente de
Mark Zuckerberg, tornou-se natural vermos cidadãos polarizarem qualquer discussão, por mais deplorável que seja”
Não há juízo de valor aqui. Toda pauta e reivindicação é justa, legítima e meritória, desde que inexistente dentro dos arcabouços legal e orçamentário existentes. A constituição brasileira já é excessivamente garantista e inexoravelmente geradora de custos que são incompatíveis com orçamentos de um Estado justo e bem administrado (haja vista a quantidade absurda da garantia de dezenas de direitos, sem a contrapartida de deveres de parte a parte). Se há amparo legal para demandas e direitos humanos e se há recursos para asseverar uns e outros, não há necessidade, no momento grave em que nos encontramos, de priorizar determinadas causas em detrimento de outras, de maior amplitude, alcance e justiça. Sabemos bem que temos aqui questões espinhosas, mas a democracia brasileira mostrou seu vigor ao votar pela alternância de poder e por uma agenda de resgate de princípios adormecidos (e esquecidos em mais de 20 anos de incúrias administrativas). Por outro lado, outro ponto indissociável do aprendizado que a eleição nos trouxe é que a polarização é uma realidade global.
Falamos sobre ela há quatro anos, com ênfase, e pouca gente se apercebeu dessa megatendência na época. Jornalistas e analistas testemunham a ascensão vigorosa de polos extremos sem compreender o que exatamente acontece. Ocorre que em um mundo no qual nos submetemos ao tribunal diário das redes sociais, com o juízo implacável de “curtir” e “não curtir” proposto pelo ambiente (nefasto e, agora, também em xeque sugerido e disseminado pelo “maior dos ditadores”) Zuckerberg, tornou-se natural vermos cidadãos polarizarem qualquer discussão, por mais deplorável que seja.
De todo modo, executivos e empresas precisam ficar mais atentos ao vigor deste pós-consumidor. Durante muitos anos, os estrategistas de marketing inclinaram-se a olhar e definir perfis e a identificar padrões que permitissem direcionar e controlar o discurso e a mensagem direcionados aos consumidores. Agora, são os consumidores que se organizam e propõem demandas, ideias e causas que devem ser respondidas prontamente pelas empresas. Nunca se sabe quando uma rede de pós-consumidores poderá se formar e ativar uma reivindicação ou promover uma campanha a favor ou contra marcas. Isso exige que as empresas estejam aptas a reordenar sua proposta de valor e a inovar constantemente. O pós-consumidor é omnicanal na essência, usando ferramentas de comunicação e a conectividade digital para se mobilizar e confrontar o status quo. Da mesma forma, as empresas precisam desenvolver um senso de omnicompetitividade, plugando serviços e soluções que possam antecipar e responder às demandas do pós-consumidor.
Página virada, é o momento de desengavetar planos, retomar investimentos, acreditar no futuro. A vitória maiúscula do pós-consumidor pode ser a senha para uma nova fase de crescimento e inovação para nossas empresas. A vitória de um é a vitória de todos.
