Não é de hoje que órgãos que defendem os consumidores e as empresas concordam em pelo menos um tema quando o assunto é a política de desenvolvimento da sociedade de consumo: é preciso modernizar o decreto do SAC, norma que regula o relacionamento entre clientes e empresas no atendimento ao cliente.
Na avaliação de especialistas, o decreto contempla quase que exclusivamente o atendimento no SAC telefônico, ou seja, não define regras para os canais digitais, tais como chat, WhatsApp e mídias sociais, que tiveram uma ascensão meteórica nos últimos anos e estão fora da regulação. E não é preciso ser um especialista para afirmar que isso mudou.
Felizmente, o debate sobre a modernização já começou na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), a qual, inclusive, já apresentou uma minuta (ou texto provisório) com as devidas inclusões digitais. Por outro lado, o texto incorpora novidades que incomodam até mesmo os Procons e uma delas já chama a atenção: a limitação dos assuntos que devem ser abordados no SAC telefônico.
Em linhas gerais, a minuta do novo decreto do SAC promete romper com o atual modelo de atendimento feito por telefone. Pelo texto, SAC é um canal de pós-venda, ou seja, serve apenas para reclamar ou cancelar um serviço. Já o texto vigente é mais abrangente e inclui serviços como informações e sugestões.
Na avaliação da Senacon, a função do SAC telefônico não é dar informação, mas resolver problemas e cancelar serviços ou produtos. Em outras palavras, o texto define que o atendimento via telefone ao consumidor é um serviço de pós-venda.
“Precisamos aumentar a eficiência no SAC. Então, que isso seja feito por meio de variáveis realmente tangíveis. A mistura entre informação e queixa pode gerar ineficiência no processo de resolubilidade. Este é o maior divisor de águas para que o SAC tenha como objeto de suas tratativas reclamação e cancelamento exclusivamente. Nós entendemos que a busca de informação estaria vinculada a outros canais, mas não ao SAC”, disse Amélia Regina Alves, consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O estudo desenvolvido por Amélia mostra que 78% dos 1.200 consumidores pesquisados preferem que o atendimento seja feito por meios digitais. Já o telefone não teria o mesmo prestígio: apenas 24% dos respondentes ainda veem o telefone como a melhor opção. Os detalhes da pesquisa foram publicados em uma reportagem na edição de outubro da revista Consumidor Moderno. Veja AQUI. (https://digital.consumidormoderno.com.br/nova-lei-do-sac-a-vista-ed259/)
“A ideia não é eliminar o telefone do canal de relacionamento com o cliente. A nossa sugestão foi resgatar a verdadeira finalidade do SAC, que é resolver problemas no pós-venda, tanto que o estudo aponta a necessidade de criar o que chamamos de CAC, uma Central de Atendimento ao Consumidor, antes da venda”, informa.

Por outro lado, há quem discorde tanto do estudo quanto da eficácia da minuta em aprimorar o relacionamento com o cliente.
Uma dúvida levantada por especialistas ouvidos pela CM é sobre quem poderá prestar informações nos diferentes canais de relacionamento com o cliente. O estudo de Amélia conclui que o cliente prefere falar com uma pessoa de carne e osso, o que indicaria algum tipo de rejeição aos robôs.
“O consumidor, nessa pesquisa, valoriza a pessoa humana, preferindo não ser atendido por atendentes virtuais (robôs). Este dado pode ser explicado pelos dispositivos da cultura brasileira, bem individualista em algumas regiões e coletivista em outras”, diz o estudo.
Ou seja, o que poderá ocorrer com os robôs a partir da minuta? Haveria alguma regulação igualmente restritiva à tecnologia?
Há também críticas sobre a maneira como foi conduzido o estudo. Um desses críticos é Claudio Tartarini, advogado especialista em políticas públicas e assessor jurídico da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). Ele defende a postura da Senacon em desenvolver estudos de impacto regulatório antes da promulgação de uma lei, mas afirma que o estudo que resultou na minuta não incluiu informações como estudos de cases em outros países e até o mapeamento da realidade brasileira.
“Aquilo (a minuta) a que se propõe já foi feito antes? Qual é o seu efeito? Nos EUA, um dos países mais liberais do mundo do ponto de vista econômico, 75% do atendimento ao consumidor utiliza o telefone para tudo. Dentro desse volume, estão os setores regulados, que são os alvos da regulação brasileira. Por fim, no Brasil, estima-se que o telefone representa 70% dos contatos”, informa.

Hoje, existem dois estudos que mostram justamente tudo o que acontece dentro do setor de relacionamento com o cliente no Brasil. Os dois levantamentos constam nas publicações do Grupo Padrão – uma delas na Consumidor Moderno.
Um desses estudos é o “Setor de Contact Center 2019 a 2024: perspectivas setoriais com o impacto da COVID-19”, da consultoria Dom Strategy Partners. Entre outros resultados, o levantamento aponta que o setor de contact center emprega mais de 599 mil pessoas no País. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) não deixam dúvidas: três empresas do setor ocupam a lista das dez maiores empregadoras do País – incluindo o primeiro lugar, que pertence à Atento.
Além disso, dos R$ 16,93 bilhões de faturamento do setor previsto para 2020, R$ 4,4 bilhões são movimentados no SAC telefônico. “O governo tem uma política de tentar minimizar o peso do SAC porque dá problema (para o consumidor). Há vários estudos que mostram que os consumidores usam o telefone”, afirma Daniel Domeneghetti, CEO da consultoria Dom.
Já o estudo produzido pelo Centro de Inteligência Padrão (CIP) dá detalhes de como funciona o relacionamento com o cliente no Brasil – e mostra o papel do telefone no SAC.
O estudo, chamado de “Cenário dos SACs”, aponta que 82% dos contatos feitos com as empresas ocorrem por telefone, e isso ocorre independentemente do motivo (reclamações, elogios, solicitações, sugestões, entre outros).
O mesmo levantamento mostra, ainda, que 42% dos consumidores procuram o SAC justamente para pedir alguma informação. Mais: dentro do universo de informações, 85% das pessoas utilizam justamente o telefone, ou seja, os estudos sugerem uma aceleração na diminuição de empregos no setor a partir da não obrigatoriedade do SAC em dar informações gerais, abrindo assim caminho para a automação no relacionamento com o cliente.
Ao mesmo tempo, o estudo do CIP deixa clara a importância do telefone, inclusive na hora de ajudar o consumidor a obter informações sobre produtos e serviços. São dois pesos que precisarão ser considerados na hora de levar adiante a proposta de modernização do decreto do SAC. O debate está aberto.