PARA O BEM OU PARA O MAL
POR ROBERTO MEIR
Todos nós vivemos preocupados com Brasília e grande parte da imprensa escrita e falada tem como foco a capital do poder, como se a sacrossanta figura de uma presidência ou de um ministério pudesse resolver todos os nossos problemas em um passe de mágica. Aí, cegam os olhos para as grandes necessidades e dilemas locais. Até que uma sequência de tragédias faz com que os holofotes mudem de direção. Este ano, pudemos testemunhar enchentes, deslizamentos de terra, desabamentos de prédios, pontes e viadutos, barragens rompidas, sirenes que não ecoaram… um verdadeiro estado de calamidade. A população acabou sendo punida, mais uma vez, pela incompetência de anos e anos de maus gestores. Pela incapacidade de prever riscos e saber usar dados a favor de quem os fornece: a própria população.
Obviamente, os dados poderiam ser usados não só para antever tragédias como para melhorar o trânsito, fazer uma melhor gestão da saúde, identificar epidemias, encontrar a cura de doenças. Mas, em geral, não o são. O que vemos é o uso indiscriminado, a venda e o vazamento de informações sigilosas. Curiosamente, aquele que prostituiu o uso de dados pede, agora, a sua regulação. Em março, Mark Zuckerberg sugeriu que governos e outras autoridades ampliem a regulação da internet. E reforçou que todos deveriam se atentar a normas em quatro áreas: conteúdos nocivos, transparência em eleições, privacidade e portabilidade de dados. Parece piada, mas não é. “Ao atualizar as regras da internet, nós podemos preservar o que há de melhor nela – liberdade para que as pessoas se expressem e os empresários construam novidades – enquanto também protegemos a sociedade de maiores perigos”, escreveu o CEO do Facebook.
Vivemos, no Brasil, a era da fossilização. Paramos no tempo. Não inovamos, não criamos nada fora da caixa. Sequer temos ídolos como antigamente. Em 500 anos de história, não ganhamos um Oscar, um Nobel sequer. E cadê os ídolos do esporte, da economia, da sociologia, da política, da literatura? Cadê as empresas e os empresários? Sim, é uma triste realidade. Afinal, o que temos para nos orgulhar?
Sim, foram essas as palavras ditas pelo criador da mesma rede de mentiras envolvida em polêmicas como o compartilhamento de dados de usuários, a manipulação de eleições e até a limitação de anúncios por cor, religião ou nacionalidade. O fato é que, além de terem os dados vazados e, muitas vezes, usados de forma indiscriminada, os usuários não recebem um centavo ao cederem dados que serão direta ou indiretamente rentabilizados. De quebra, abastecem de conteúdo redes como o Facebook sem nada em troca.
Se Zuckerberg está preocupado? Ao que tudo indica, sim. Nos termos de serviço que regem o uso do Facebook, está escrito que a rede tem permissão para usar nome, foto do perfil e informações sobre as ações dos seus usuários em anúncios e conteúdo patrocinado. “Você nos concede permissão para usar seu nome, foto do perfil e informações sobre ações realizadas no Facebook, próximos ou relacionados a anúncios, ofertas e outros conteúdos patrocinados que exibimos em nossos produtos, sem o pagamento de qualquer remuneração a você”.
“Além de terem os dados vazados e, muitas vezes, usados de forma indiscriminada, os usuários não recebem um centavo ao cederem dados que serão direta ou indiretamente rentabilizados”
Poxa, você não concorda com isso? É só excluir sua conta, não é mesmo? Não. Esse mesmo documento para o qual deu opt-in diz que, sim, você pode encerrar essa licença a qualquer momento excluindo seu conteúdo ou conta. Porém, “você deve estar ciente de que, por motivos técnicos, o conteúdo que você exclui pode permanecer em cópias de backup por um período limitado (embora não fique visível para outros usuários). Além disso, o conteúdo que você exclui pode continuar aparecendo caso você tenha compartilhado com outras pessoas e elas não o tenham excluído”.
Com a aproximação da Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em agosto, esse assunto não pode ser mais adiado. E esse debate inclui os órgãos públicos. Esses dias, dados pessoais de 2,4 milhões de usuários do SUS vazaram na internet. Cadastros são vendidos e o risco só aumenta se considerarmos que o CPF, por exemplo, é pedido em diversos momentos da jornada de uma pessoa – da entrada em um prédio comercial à compra de um medicamento da farmácia.
No fim do mês de abril teremos mais um Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor, um desdobramento da iniciativa “A Era do Diálogo”, que reunirá este ano empresas, órgãos de defesa do consumidor e grandes especialistas, como Luciano Timm, o novo secretário Nacional do Consumidor, e o procurador da República Deltan Dellagnol. Um dos temas, claro, será o futuro dos dados e como as empresas vêm se preparando para a LGPD. Mas iremos reconhecer também as empresas que mais reduzem o litígio no País. Um dado curioso do Centro de Inteligência Padrão mostra que um dos melhores caminhos para resolver problemas relacionados a consumo é recorrer primeiro às empresas. O índice de resolutividade, neste caso, é de 98%, enquanto nos tribunais ele não chega nem aos 16%. Ou seja, o melhor caminho ainda é o diálogo. E as relações de consumo só vão melhorar quando ele for pautado pelo respeito, pela clareza e, sobretudo, pela ética.