
Diretor-executivo de Conhecimento
Jacques Meir
Qual é o futuro dos CPOs no atendimento ao cliente? A resposta é mais óbvia do que parece
A reinvenção das empresas de customer process outsourcing será dolorosa. A boa notícia é que os elementos da mudança estão dentro de casa
O elemento central de qualquer análise que se faça do desempenho de qualquer setor ou segmento em 2020 passa, inevitavelmente, pela pandemia da covid-19. Os serviços de atendimento ao cliente estão em mutação radical, potencializada por alterações ainda não devidamente compreendidas nos comportamentos social e de consumo.
Frugalidade, bem-estar, vida digital, conveniência, busca por refúgio espiritual, reconexão e solidariedade distanciada são um conjunto de tendências que se manifestou de forma inequívoca nesta pandemia. Todas elas se combinam para deixar emoções à flor da pele. Consumidores estão mais sensíveis, procurando formas de extravasar sentimentos conflitantes: cansaço mental, revolta, esperança, alegria, euforia, frustração em doses nem sempre comedidas. As empresas, por sua vez, procuram se adaptar a esse tsunami emocional utilizando todo o arsenal de atendimento disponível: bots, speech analytics, automação e integração de canais, operações em smart work (home office), IA, mapeamento e monitoramento da jornada do cliente e muito mais.
E para lidar com tudo isso, ainda há o agravante da Transformação Digital acelerada (ainda mais pela pandemia), fatores regulatórios e induzidos por ações do governo (LGPD e PIX), mais o poder natural das redes orquestradas, fenômeno relacionado ao empoderamento do pós-consumidor, e temos um cenário de pressão continuamente em ebulição para deixar empresas à beira de um ataque de nervos.
Evidentemente, essa pressão se desdobra por cadeias de valor e claramente impacta o segmento de Customer Process Outsourcing, os remodelados contact centers, que procuram redefinir sua atuação para acompanhar esse cenário imensamente VUCA (a sigla em inglês para Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo).
Os resultados trazidos pelo estudo derivado do Ranking Brasileiro de CPOs, conduzido pela E‑Consulting em parceria com o Centro de Inteligência Padrão (CIP), são surpreendentes pelo lado negativo: a digitalização acelerada e a paralisia econômica que atropelaram a economia nos primeiros 45 dias de pandemia causaram uma destruição de valor exagerada. E os arautos do apocalipse trombeteiam o fim de um segmento fortemente baseado em ativos físicos e mão de obra intensiva, princípios de negócios que tendem à obsolescência.
A pergunta é simples: qual é o futuro dos CPOs em um contexto de mudanças tão profundas que incluem desafios tecnológicos expressivos e alternativas disruptivas que constituem ameaça real para essa atividade? A resposta não é simples quando pensamos na execução e nas implicações, mas é absurdamente óbvia: a gigantesca massa de dados coletada dia após dia pelas interações com consumidores em múltiplos canais nas mais diferentes operações.
Ninguém mais além de CPOs têm à disposição tal massa de dados tão variada, de tantas fontes diferentes – telefones, e‑mails, chats, bots, apps de mensagem, sites, redes sociais – para compor perfis, estruturar informações, gerar conhecimento e insights em escala industrial. Mais do que prover tecnologia e oferta de serviços de consultoria e atendimento ao cliente, os CPOs podem funcionar como enormes salas de ideação, previsão e aplicação de protótipos e “beta tests” em grande escala para as empresas parceiras. E por quê? O que embasa essa afirmação?
As fronteiras entre os negócios estão se diluindo velozmente, embaçando linhas até há pouco tempo muito claras. Um varejista conhecido por ser forte em eletrodomésticos e eletroeletrônicos já se tornou um marketplace capaz de vender até alimentos e entregar refeições. Uma fintech de cartão de crédito pode facilmente vender sistemas de gestão para pequenos comércios, uma seguradora pode manter uma rede de serviços de reposição e reparos mecânicos para automóveis ou embarcar um marketplace de serviços para residências. Mas como é possível testar esses movimentos com agilidade e entender qual é a aceitação do consumidor? De que forma é possível compreender até onde uma empresa pode estender sua competência para outros segmentos e levar propósito, conveniência e serviços necessários para novos clientes?
É aí que o gigantesco Big Data dos CPOs, alimentado diligentemente todos os dias, faz a diferença: organizar e estruturar os dados, enxergar oportunidades e gerenciar esses testes, descobrindo elementos que darão sentido ao novo storytelling, podem ser atribuições dos CPOs. Em resumo: a base está dentro de casa. Falta, é claro, abdicar de funcionar como fornecedor de hardware e ativos físicos – gente, mobiliário, cadeiras, máquinas – para “desmaterializar” o negócio, adotando uma nova mentalidade (mindset) capaz de minerar dados e identificar negócios promissores para empresas normalmente mais lentas em acompanhar e descobrir lacunas de mercado, portanto vulneráveis à disrupção em várias frentes. CPOs, se incorporarem uma visão inovadora de negócios, poderão ser a resposta mais consistente para enfrentar novos competidores e ajudar empresas incumbentes a elas mesmas a serem agentes da disrupção.
Pode parecer um exagero e um movimento muito radical para negócios voltados para a venda de serviços de atendimento ao cliente em bases conhecidas e estáveis. Mas onde está escrito que “atendimento” deve ser apenas dialogar com o cliente em cima de rotinas previsíveis de empresas estabelecidas? A partir do momento em que os CPOs contam com um recurso abundante e que aumenta suas reservas diariamente, é lógico pensar que devam utilizar essas bases de informação quase inesgotável para descobrir dores dos consumidores em escala industrial e em uma velocidade que uma empresa por si só não consegue.
Ser o responsável pelo “processo do cliente” faz dessas empresas um parceiro de grande valor, capaz de conectar empresas diferentes e vislumbrar negócios novos que supram lacunas de mercado, viabilizando esses negócios a partir de insights baseados em dados estruturados. E, ao final desses processos, um CPO está credenciado a até mesmo conduzir o atendimento ao cliente em novas bases.
Este é o futuro que está à frente. Desafiador, audacioso e inesperado. Haverá ousadia nos CPOs para ir ao encontro dele?