Faith Popcorn
RIP, MASCULINIDADE!
AO LADO DA DRAG QUEEN VIOLET CHACHKI, A FUTURISTA FAITH POPCORN DEIXOU A PLATEIA DO FESTIVAL DE CANNES, NA FRANÇA, ATÔNITA E INQUIETA AO DECRETAR O FIM DA MASCULINIDADE. PARA ELA, A SEGREGAÇÃO POR GÊNERO ESTÁ COM OS DIAS CONTADOS
POR GABRIELLA SANDOVAL
CEO e fundadora da consultoria BrainReserve, a futurista Faith Popcorn é conhecida como a “Nostradamus do Marketing”. A sua próxima profecia? O fim da masculinidade da forma como a conhecemos hoje. Em seu relatório “The Future of Masculinity” ela diz que, por muitos anos, os homens assumiram o papel de heróis, soldados e líderes. Mas o jogo virou e as mulheres ganharam voz, enquanto eles passaram a se sentir acuados. E agora, como a questão de gênero deverá ser encarada? Estamos caminhando para um futuro andrógeno? Como as marcas devem reagir a essas mudanças? Esses foram alguns dos temas discutidos com Faith durante uma entrevista exclusiva à Consumidor Moderno. Confira:
“Cerca de 70% dos suicídios são cometidos por homens e os níveis de testosterona estão caindo 17%”
CONSUMIDOR MODERNO – POR QUE DECIDIU FALAR SOBRE O FUTURO DA MASCULINIDADE EM CANNES?
Faith Popcorn – Há muito foco na mulher agora – assim como deveria ser. Eu acredito que as mulheres estão transformando nossa cultura, como escrevi em meu livro EVEolution, em 2000. Mas, enquanto todos estão concentrados em apoiar as mulheres, ninguém está olhando para os homens, que estão sofrendo. Quero fazer com que esse assunto venha à tona.
CM — COMO OS PAPÉIS DOS GÊNEROS ESTÃO MUDANDO?
FP – As regras antigas, construídas em cima da cultura ocidental, não funcionam mais. Os homens não podem ser aqueles que têm todo o poder e todas as respostas. Eles não podem ser fortes e silenciosos ao mesmo tempo. Já às mulheres não cabe mais o papel de cuidadoras a todo o tempo. A definição binária de gênero está sucumbindo na medida em que nos tornamos um gênero com variações dentro de um espectro. É um momento de tremenda mudança.
CM — COMO OS HOMENS IRÃO PARTICIPAR, NO FUTURO, DA NOSSA SOCIEDADE?
FP - Neste momento, a masculinidade está em queda. Cerca de 70% dos suicídios são cometidos por homens, os níveis de testosterona estão caindo 17% e há evidências de que o cromossomo Y esteja desmoronando. E os homens estão apavorados – o movimento #metoo mostrou a eles que as mulheres não vão ficar em silêncio. Os homens devem reconhecer que as estruturas que construíram não funcionam, e que eles devem trabalhar mais em casa e nos cuidados com a família. A tendência é que abracem a mudança e saiam do outro lado, em um novo mundo.


CM — ISSO SIGNIFICA QUE A DEFINIÇÃO DE MASCULINIDADE COMO A CONHECEMOS HOJE ESTÁ MORRENDO?
FP - Há uma mudança geracional em curso. Os Millennials abraçam a equidade mais do que os Baby Boomers, mas ainda há um trabalho a ser feito. Cerca de 20% dos homens ficam em casa com os seus filhos – um número que deve subir para 50% no espaço de uma geração. Ao mesmo tempo, apenas 24 mulheres compõem a lista Fortune 500 CEOs. Isso não vai mudar em uma geração, e talvez nunca mude. A Forture 500 é um reino criado por homens. O que vale a pena destacar é que os Millennials e a Geração Z estão mais confortáveis com a fluidez de gênero. Metade dos Millennials diz que o gênero é um espectro, enquanto entre a Geração Z esse número provavelmente é maior. Isso ajudará a dissolver papéis de gênero mais antigos.
CM — QUEM A SENHORA CONSIDERA ÍCONE DE MASCULINIDADE E POR QUÊ?
FP - Hoje em dia, novos ícones são pessoas como Barack Obama e Justin Trudeau (primeiro-ministro canadense). Eu também diria Violet Chachki, a drag queen da RuPaul’s Drag Race que se juntou a mim em Cannes. Violet tem muito orgulho de sua androginia e celebra a fluidez de gênero.
CM — O QUE MUDA PARA AS MARCAS?
FP - As marcas precisam criar produtos para o que chamo de Terceiro Corredor – nem masculino, nem feminino. Além disso, devem abraçar a fluidez e entender que os homens estão apavorados e precisam ser apoiados. Elas precisam mostrar que “Okay” os homens se sentirem vulneráveis, com raiva e com medo. As marcas têm que educar os homens e dar-lhes recursos para evoluir.
CM — PODE CITAR ALGUMAS MARCAS QUE ESTÃO SE ENGAJANDO NESSE SENTIDO?
FP - Eu amo o que a Harry´s – linha de produtos para barbear – fez no clipe “A Man Like You”. Ela mostrou que regras antigas não se aplicam mais e que os homens têm que criar novas regras. Admiro também o trabalho da Ax/Lynx (marca da Unilever) com a Promundo, uma organização global que estuda e promove a igualdade de gênero. Ela fala com milhares de homens para entender as pressões que eles sofrem e seus anúncios abraçam a ideia de que estão sufocados pelas expectativas da sociedade.
CM — POR QUE AS MARCAS DEVEM SE PREOCUPAR COM O FUTURO DA MASCULINIDADE?
FP - Eu entendo e apoio o foco nas mulheres, mas você não pode ignorar metade dos seus consumidores – muitos deles machucados e assustados. As marcas e o marketing não refletem só uma cultura, eles a moldam e devemos levar essa responsabilidade a sério.
“As marcas precisam criar produtos para o que chamo de Terceiro Corredor – nem masculino, nem feminino”
CM — O QUE ESPERAR DAQUI PARA A FRENTE NO MERCADO DE TRABALHO?
FP - As mulheres continuarão indo embora das empresas para empreender. As mulheres estão abrindo negócios em uma taxa duas vezes maior do que os homens. Elas estão migrando para comunidades de coworking lideradas por mulheres ou só para elas, como é o caso do The Riveter e The Wing. Ao menos que descubram como se relacionar com as mulheres para mantê-las felizes, os homens vão perder o talento delas dentro das corporações.
CM — COMO O PAPEL DAS MULHERES ESTÁ MUDANDO?
FP - As mulheres não precisam mais de um casamento – elas não encaram mais isso como algo vital para a sua felicidade. Elas não precisam de um marido. Como elas estão se casando mais tarde, elas passam os seus 20 e poucos anos focadas nelas próprias e nos seus trabalhos. Algumas sequer se casam e têm os amigos como sua família. A paternidade está sendo cada vez mais adiada e ignorada.
CM — “A ANDROGENIA É UMA DAS COISAS MAIS BELAS DE TODOS OS TEMPOS… E ELA É O FUTURO”. A SENHORA CONCORDA COM ESSA AFIRMAÇÃO DE VIOLET CHACHKI?
FP - Completamente. Essa é a nova fronteira para o gênero – reconhecer que todos nós temos identidades e expressões diferentes de gênero – e que isso varia dia após dia. Em um certo dia, uma pessoa irá se sentir total e tradicionalmente feminina, e no outro, macho, e depois nenhum dos dois. Devemos aceitar e nos engajar nisso – e as marcas e os profissionais de marketing precisam reformular os seus mercados e refletir sobre isso. Olhe para os produtos para cabelo do Mr. Smith. Eles são para qualquer um e, ao mesmo tempo, para todos, assim como os cosméticos da marca Jecca, que começou voltada à comunidade trans e depois se espalhou.
CM — POR FIM, HÁ ESPERANÇA PARA A MASCULINIDADE?
FP — Eu acredito que as ideias de masculinidade e feminilidade irão perder seu poder e seu valor. Ser um “homem de verdade” ou uma “mulher de verdade” – quem se importa? A geração que está surgindo está muito mais interessada na individualidade e na expressão própria. Adaptar-se a uma ideia monolítica de masculinidade é irrelevante. Mas se a masculinidade for redefinida com a feminilidade, para se tornar o melhor dos valores humanos, então há esperança.
