É difícil não apontar para um segmento da economia e não contabilizar os efeitos devastadores da COVID-19. E o setor de relacionamento com o cliente não é exceção.
A afirmação está presente na mais recente edição do estudo Setor de Contact Center e CPOs 2019 a 2024: perspectivas setoriais, publicado com exclusividade no Anuário Brasileiro de Relacionamento com Clientes. De acordo com o levantamento, o segmento deverá fechar o ano com uma queda de 22% no faturamento, um índice histórico e que vai demorar quatro anos para retomar ao patamar registrado em 2019.
Mas, em meio a tudo isso, há boas notícias. Empresas de Customer Process Outsourcing (CPO, ex-contact center) aceleraram o processo de transformação digital do negócio e devem liderar a massificação da omnicanalidade (comunicação com o consumidor de maneira igual em todos os canais) no País.
Queda
Segundo o levantamento, o impacto no bolso do setor de relacionamento com o cliente será significativo. O segmento deverá fechar o ano com um faturamento de R$ 42,23 bilhões, uma queda histórica de 22% na comparação com o resultado do ano passado. O resultado negativo representa o somatório do desempenho das operações terceirizadas dos CPOs e o atendimento oferecido pelas empresas que se relacionam diretamente com o consumidor final.
No caso exclusivamente dos CPOs, a queda foi um pouco menor, mas também expressiva. O setor terá um faturamento de R$ 16,93 bilhões, o que representa uma queda de 15% na comparação com os resultados dos anos anteriores ou perda de pouco mais de R$ 3 bilhões.
“O ano de 2020 representa um importante aprendizado. Os números mostram que a queda está relacionada a três efeitos: o cancelamento de contratos, a redução de custo no contrato por substituição de modelos e a aceleração da digitalização, que ganhou mais velocidade a partir da COVID-19”, explica Daniel Domeneghetti, CEO da Dom Strategy Partners e autor do estudo.
Recuperação apenas em 2024
O levantamento feito pela consultoria projeta uma retomada no faturamento em 2021, mas em valores bem inferiores ao patamar previsto para este ano. Mais: a expectativa é que o retorno ao patamar de 2019 ocorrerá apenas em 2024.
No entanto, o estudo traz uma boa notícia. A recuperação do setor terá como pilar a adoção de novos modelos de negócios digitais. “O melhor caminho é se ajustar em termos de oferta e demanda. O custo de carregamento da oferta tem que conversar com a receita. E, hoje, existe o custo da operação vinculado ao modelo antigo. O mundo digital mudou isso. É preciso refazer a estrutura, a oferta e até pensar em plataformas. Além disso, é necessário reorganizar processos internos e estruturais”, disse Domeneghetti.
Hoje, algumas empresas do setor já implantaram ou iniciaram esse processo de mudança dentro das empresas. Domeneghetti acredita que empresas farão a transformação digital a partir de fusões com startups ou empresas do setor ou, ainda, com a incorporação de novas tecnologias.
Outra mudança já em curso é a que ocorre na forma de remuneração do setor, hoje ainda calçado em PAs (Posições de Atendimento). O consultor aposta em modelos baseados em CPF (ou clientes) ou por divisão de negócios – terceirização das verticais de negócios que estão sendo organizados dentro das empresas. Uma outra aposta pode ser a transformação das operações em centros de “beta tests” e suporte à inovação a partir da posição privilegiada em Big Data que os CPOs ocupam.
Índice de terceirização
O índice de terceirização é um indicador do estudo que sinaliza a relação de empresas brasileiras que usam os serviços de BPOs no relacionamento com o cliente. E, assim como nos demais indicadores da pesquisa, há diferenças na comparação com os resultados dos anos anteriores.
Em 2020, o índice de terceirização estimado no estudo será de 40,1%, o que representa um aumento de 3,3 pontos percentuais na comparação com o resultado do ano passado. Hoje, o setor financeiro possui a taxa mais alta de terceirização: índice de 46%.
O motivo do aumento da terceirização, segundo Domeneghetti, não poderia ser outro. A COVID-19 foi a justificativa para o encerramento ou a redução no valor dos contratos. Por outro lado, isso não diminuiu a terceirização. Na verdade, houve um crescimento causado pelo aumento da chamada substituição tecnológica. A busca agora é por tecnologias que gerenciem e automatizem parte do relacionamento com o cliente, como é o caso da plataforma de Customer Relationship Management (CRM). A ferramenta não é nova no mercado, mas o seu processo de massificação será a grande novidade para os próximos anos.
Avanço dos canais digitais e a omnicanalidade
Se os números até aqui estão negativos, o mesmo não se pode dizer do avanço dos canais digitais no relacionamento com o cliente.
As duas últimas edições do Anuário indicavam que o e‑mail e o telefone eram os canais presentes em todas as empresas, logo são apontados como “básicos”. Este ano, mais uma vez, os dois canais mostraram a sua força, mas, em breve, eles deverão receber a companhia das mídias sociais, que já estão presentes em 99% das companhias ouvidas pela pesquisa.
Já o chat e os robôs vivem um momento de muita euforia (que aumentou na pandemia) e massificação de uso nas empresas. O estudo mostra que 76% das empresas já possuem chat, um salto de 9 pontos percentuais na comparação com o último ano. Quanto ao bot, houve um aumento de 5 pontos percentuais, alcançando o índice de 22% de presença nas empresas.
“Redes sociais, aplicativos, bots e mobile cresceram e se tornaram alavanca de transformação de comportamento para o mundo digital”, destaca Domeneghetti.
Pessoas
A força de trabalho humana é outro indicador medido pela pesquisa. Se os canais digitais e outras formas de automação no relacionamento com o consumidor avançaram este ano, ocorreu um movimento inverso na quantidade de pessoas que atuam no segmento.
O estudo projeta que o setor deverá fechar o ano com 429 mil PAs, uma queda de 29%. Nas internalizadas, a diminuição será de 27%. Já entre as empresas de CPO, a diminuição será de 31% das terceirizadas.
O que não mudou foi o mapa de distribuição das PAs no Brasil: Sudeste continua soberano, com uma concentração de 54% do total de funcionários empregados no Brasil. “Dentro de uma nova proposta de modelo de negócio, há o excesso de gente, com uma baixa diferenciação”, disse Domeneghetti.
De fato, 2020 está sendo um ano de muitas mudanças e aprendizados. Se o ditado “há males que vêm para o bem” for verdadeiro, o próximo ano será importante para comprovar ou desmentir esta afirmação. Vamos aguardar o próximo Anuário.
Raio X do Setor
Fatores setoriais
• Com a COVID-19, os impactos no setor serão grandes. Há estimativa de queda de 15% no faturamento das terceirizadas, atingindo R$ 16,93 bi em 2020, sem considerar a incorporação dos valores do digital.
• Nível de outsourcing considerado alto, com perspectiva de crescimento por conta do efeito do digital advindo da COVID-19 – perto de 40,1% de terceirização (efeito digital).
• Disrupção digital e apropriação real de receitas são fatores que manterão o setor ativo. Novos players e internalização substitutiva digital pelo contratante.
• Metaconcorrência, autocanibalização de PAs e concentração de volume em poucos players tradicionais.
• Consolidação do setor de telefonia e redução do perfil de compra por digitalização das relações.
• Dificuldade financeira e queda nos resultados dos principais players.
• Consolidação lateral: BPO – TI/ Agências/Consultorias).
• Consumidor 2.0, redes sociais, vigilância e pressão de ONGs.
• Força da regulação, sindicatos fortes e custo social crescente.
Fatores externos
• Encolhimento do mercado e da economia por conta dos impactos da COVID-19.
• Guerra contra a internalização e as RFPs “fantasmas”.
• Ofertas comoditizadas e percepção de baixo valor agregado.
• Cliente comprando por leilão reverso (guerra de preços e compra de contratos).
• Necessidade de identificar outros stakeholders internos.
• Verticalização dos contratantes e repasse de riscos na terceirização.
• Número de colaboradores do setor cairá fatalmente por conta da pandemia e da retração da economia.
• Número de PAs ativas no setor terceirizado diminui 27%.
• Número de PAs ativas internalizadas diminui 31%.
• Alto custo de carregamento (tripé operacional composto por qualidade, tecnologia e treinamento).
• Profissionalização de gestão e necessidade de novos perfis técnicos.
• Pressões das redes sociais colaterais com contratantes.
• Rupturas tecnológicas e multicanalidade “possível”.
Evolução
• Cliente como ativo: gestão do relacionamento e não do contato.
• Especialização dos players e segmentação de ofertas.
• Automação (por exemplo, bots) e inteligência artificial.
• Expectativa de ofertas mais ad hoc (incluindo collabos/bundles/ soluções/consultivas).
• Plataformas de customer management centers: agregação de valor à oferta e agregação de novas ofertas.
• Criação de novos modelos de negócio e operação (multicanalidade, CCNs, redes sociais etc).
• Criação de novos formatos comerciais (risco, performance).
• Migração de operação para regiões mais “seguras”.
• Parcerias com centros de mão de obra e acordos político-sindicais.
• Última milha – marca e reputação /desoneração da estrutura/ redução de custos/gestão de riscos.
• Pressão por inovação e integração com shared services, operações e TI.